Alane Gonçalves Vieira
(Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri)
Introdução e Metodologia
No debate do subdesenvolvimento, fica clara a tentativa de demonstrar a dualidade de crescimento e desenvolvimento. A economia de um país pode até crescer, mas esta continuará estagnada se não houver uma substancial melhoria no nível de bem-estar das pessoas, isto pode ser medido tanto por meio da renda per capita, quanto por outros índices de desenvolvimento econômico. O dualismo estrutural presente no subdesenvolvimento se estende a outros segmentos da economia e afeta o modo de vida da população, por conta da concentração de renda.
Desse modo, cresce ainda mais o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, concomitantemente com a industrialização e a modernização da agricultura. Expande-se também a população que se acotovela nas cidades, formando favelas, aumentando os gastos públicos, que não se mostra, contudo, suficiente para o atendimento das pessoas de mais baixa renda. Por conseguinte, aumentam os sequestros, os assaltos a bancos, a prostituição, os menores de rua, a subnutrição, o analfabetismo e os demais índices de subdesenvolvimento (Souza, 2007:23)
Percebe-se ao analisar o estado atual das economias periféricas e como que estas tiveram seus estados de subdesenvolvimento aprofundados, que podemos partir do ponto de que o grande crescimento das cidades, não esteve atrelado aos seus crescimentos econômicos a partir da década de 1980, visto as mudanças ocorridas na economia global, em face da dinâmica de acumulação e reprodução do modo de produção capitalista, em especial, a particularidade do mesmo nos chamados países periféricos. Dando por consequência à uma expressiva expulsão do campesinato através das medidas impostas pelo FMI e Banco Mundial às economias periféricas. Instituições estas que atendem aos interesses econômicos e financeiros dominantes. Chossudovsky em seu livro A globalização da pobreza é claro: “Desde a crise da dívida do início dos anos 80, a busca do lucro máximo tem sido engendrada pela política macroeconômica, ocasionando o desmantelamento das instituições do Estado, o rompimento das fronteiras econômicas e o empobrecimento de milhões de pessoas.” (1999:11)
Os pequenos produtores sem alternativa diante da falta de subsídios estatais e da concorrência com o agronegócio no mercado de commodities tiveram que migrar para as cidades, o que gerou um grande contingente de pessoas nas cidades sem nenhuma condição de subsistência, já que os próprios centros urbanos também não estavam preparados para tal migração, aumentando as favelas e a miséria nestes.
(...) Os anos 1980, em que o FMI e o Banco Mundial usaram a alavancagem da dívida para reestruturar a economia da maior parte do Terceiro Mundo, foi a época em que as favelas tornaram-se o futuro implacável não somente dos migrantes rurais pobres como também de milhões de habitantes urbanos tradicionais, desalojados ou atirados à miséria pela violência do ‘ajuste’.(Davis, 2006:156)
Assim, a presença atual do grande latifúndio, herança do nosso passado colonial, não foi superada, e sim intensificada, sobretudo para a produção de commodities.
Apesar de sua antipatia por grandes comunidades urbanas nativas, os britânicos foram comprovadamente os maiores construtores de favelas de todos os tempos. (...) a recusa de melhorar as condições sanitárias ou de fornecer até a infraestrutura mais rudimentar aos bairros nativos garantiu imenso volume de mortes por epidemias no começo do século XX (peste, cólera, gripe) e criou enormes problemas de miséria urbana, que foram herdados pelas elites nacionais no pós-independência. (Davis, 2006:61)
Nota-se que a existência das favelas é viável e funcional ao capital na exploração do trabalhador, pois como a presença do Estado é inócua, a vulnerabilidade destes cidadãos pavimenta a construção de um caminho à submissão do trabalhador a condições de informalidade e precarização de trabalho.
Neste sentido, quando analisamos esta situação, percebemos que o problema está na dinâmica e lógica de reprodução capitalista próprias dos países de capitalismo de industrialização hipertardia, periférica e dependente. O que resta aos trabalhadores, nesta dinâmica é a busca de empregos no mercado informal e precarizado como possíveis “estratégias de sobrevivência”.
Este trabalho visou realizar um estudo acerca das condições que levam os trabalhadores às informalidades, bem como partindo do contexto em que se inserem as economias periféricas latino-americanas de subdesenvolvimento e como este foi aprofundado a partir das políticas neoliberais. Para isto realizou-se uma pesquisa bibliográfica, com um exame que corrobore a relevância do estudo.
Resultados
Devemos neste ponto, partir para análise de quais foram as medidas implantadas pelo FMI e Banco Mundial e em qual contexto.
Por conta da crise do modelo econômico do pós-guerra, a partir de 1973, as empresas multinacionais acentuaram a partir de então mais ainda sua dominação aos países subdesenvolvidos, como forma de garantia de mercado e obviamente lucros. Sendo implementadas a partir daí políticas agora neoliberais, comandadas pelas corporações transnacionais. Empresas concorrentes em todo mundo sucumbiram. Foram aplicadas nesses mercados as inúmeras táticas de dominação. Seria dessa forma uma nova colonização, onde lhes seria garantido por meios imperialistas - monopolistas a garantia de encomendas.
Em 1976 a quebra da paridade cambial e dos regulamentos que constituíam o Acordo Bretton Woods trouxe inúmeros problemas para o sistema financeiro internacional, em que foram impostos ao mundo as políticas monetaristas e o neoliberalismo, dessa forma o setor financeiro passaria a subordinar todas as atividades econômicas. Decorreu aos países periféricos um aumento extraordinário do volume de suas dívidas externas, ocasionando uma grande crise quando estes demonstraram que não poderiam arcar com o pagamento.
Mesmo sem discutir o valor das premissas neoliberais, é correto esquecer a responsabilidade dos fatores externos na profunda crise que passou a varrer a América Latina a partir dos anos 80? Como foi possível às lideranças regionais assumir, sozinhas, o ônus político pela crise? É necessário chegar a esse ponto de submissão intelectual para obter a módica cooperação externa que nos tem sido efetivamente concedida? Em que medida não acabamos por legitimar com essa atitude inutilmente servil um processo em que, numa transfusão de sangue às avessas, acabamos ajudando mais aos países ricos do que estes nós, seja financeiramente seja comercialmente? (Batista, 1994:16)
Em novembro de 1989 o futuro da América Latina era traçado no Consenso de Washington e este não se tratou em busca de soluções possíveis ao problema latino e sim a uma intensificação de dominação das políticas externas através do plano liberal, agora denominado neoliberal. Estas seriam como forma de garantia de que as economias latinas honrariam com o pagamento de suas dívidas, devendo pois estas se submeterem à diversas condicionalidades impostas pelo FMI, Banco Mundial e a OMC. Chossudovsky demonstra que “(...) uma nova ‘divisão triangular de autoridade’ surgiu, baseada na estreita colaboração entre o FMI, o Banco Mundial e a OMC para “vigiar” a política econômica dos países em desenvolvimento. (...) a relação entre as instituições sediadas em Washington e os governos nacionais foi redefinida.” (1999:28)
A propagação desse pacote de medidas foi dada a partir principalmente da queda da União Soviética, como o que seria a solução para continuar o crescimento das economias industrializadas, com taxas crescentes. No Brasil seriam estas instauradas a partir de uma série de medidas tomadas a partir do governo Collor. A partir desta, os países perderiam ainda mais suas soberanias na sua formulação e execução de políticas macroeconômicas, que passaram a ser controladas por poderosos interesses políticos e financeiros com o propósito de produzir em tais países reservas de mão-de-obra barata e de recursos naturais, o que Chossudovsky chama de “internacionalização da política macroeconômica” (1999, p.29).
O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. (...) Um ‘governo paralelo’ que passa por cima da sociedade civil é estabelecido pelas instituições financeiras internacionais (IFIs). Os países que não aceitam as ‘metas de desempenho’ do FMI são colocados na lista negra. (Chossudovsky, 1999:28)
Este pacote consistia principalmente em privatizações dentre os diversos setores, desde os mais básicos como habitação à principalmente empresas e indústrias estatais. As economias periféricas se consolidariam a partir daí como produtoras de produtos primários ficando subordinada às economias com alto grau de industrialização, com forte controle dos custos de mão-de-obra.
O Estado nacional seria colocado de lado a partir de então, e passaria a ser considerado como o grande vilão da crise. Ele passaria a cuidar de outras áreas que para eles lhe eram mais próprias como a proteção de acordos privados e principalmente a garantia do direito da propriedade. Este deveria ter superávits em seu balanço de pagamentos para que pudesse arcar com sua dívida, e para esse meio ia sendo tirado todas as seguridades sociais que antes lhe apresentava. Aumentando o desemprego, recessão e o arrocho salarial. O Estado passaria a se consolidar a respeito do que Marx lhe descreve: Uma classe exterior que cuidaria dos interesses da classe dominante.
Todas as medidas tomadas pelos neoliberais foram essencialmente como uma forma de reanimação do capitalismo, ampliando com isso o espaço das transnacionais nos países periféricos e reduzindo ainda mais a soberania de seus Estados, deixando-os de mãos atadas diante da globalização, que acabou por aumentar o número de filiais de empresas dos países centrais nos países periféricos, unificando os investimentos pelo mundo. Não seria mais somente uma exportação de capitais e comercialização de produtos para as economias periféricas partindo das centrais, o que se via agora era a própria exportação de todo aparelho produtivo juntamente com o financeiro.
Porém, as medidas tomadas tiveram um caráter muito mais propício à especulação do que à resolução dos problemas na produção. Pois, por contradições próprias desta nova fase do capitalismo contemporâneo em que não há mais suficiente demanda, este não pode mais se reproduzir efetivamente. O que gera um grande volume de capitais que passam a ser aplicados no setor financeiro. O que se teve então foi um grande aumento da dívida destes países que agora não lutam mais por seus pagamentos efetivos e sim pelo pagamento de seus juros exorbitantes.
Tudo isso em consequência do que esta política propagada pelos países centrais fez que foi o aumento as dívidas externas destes. Fazendo isso são forçados a diminuírem os gastos com o que seria a proteção do trabalhador e transferem todo orçamento da nação para o pagamento dessas dívidas que parecem que nunca terão fim, principalmente por conta das suas altas taxas de juros.
Os capitais estrangeiros dominantes ainda conseguem uma série de medidas políticas ao seu favor, como a desregulamentação, controle dos gastos públicos, Estado mínimo e privatizações (o que é esperado quando se trata de empresas cujo objetivo é somente a dominação). “O poder de pressão dessas instituições sobre os Estados capitalistas mais débeis é enorme e lhes permite impor desde a orientação macroeconômica, frequentemente direcionada aos chamados “ajustes estruturais” até providências e medidas de menor abrangência”. (Netto e Braz, 2010:225)
Dessa forma, o Brasil como outros países que estão à mercê do capital, acabou por se conformar com as consequências da sua dependência, gerando seu subdesenvolvimento perpétuo, o desemprego e a inflação. O que são consequências inevitáveis do domínio de inúmeros setores da economia pelas empresas estrangeiras.
Ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências pela partilha econômica e política do mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Países dependentes que, dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática. (Lênin, 2011:212)
A empresa multinacional ao invés de trazer o desenvolvimento, o destrói e cria interdependências universais. Suas subsidiárias e seus representantes atuam de forma influente nos diversos setores do país que os recebe. Os Estados perdem suas soberanias e perdem chance de estabilizar suas economias já que esta está entranhada por diversos interesses que não são nacionais. Valendo notar que a própria classe dominante destes países fica ao lado destas, por conta da influência exercida e pelo fato de quererem participação do bolo de lucros conseguidos por estas. O país se condiciona como importador.
Em decorrência o país acaba importando muito do que se poderia ser produzido aqui e as empresas nacionais acabam trabalhando abaixo da sua capacidade de produção, ocasionando o desemprego de inúmeros trabalhadores nacionais. Tudo isso por conta de interesses importadores, pois ao fazer isso garante emprego nos países de origem das multinacionais. O país dessa forma não consegue se tornar competitivo e gerador de tecnologia, pois fica condicionado a não exploração de suas próprias riquezas e subordinado à produção de commodities com preços baixos internacionais. Com isso o país sofre sua crise econômica e social, o seu subdesenvolvimento e sua dependência, o que leva ao empobrecimento de milhões de pessoas em todo o mundo. O que em tese seria uma política de estabilização e ajuste, na verdade só contribuiu para desestabilizar e arruinar estas economias. “As consequências são o desemprego, os baixos salários e a marginalização de amplos setores da população. Cortam-se os gastos sociais e muitos dos benefícios conquistados na área do bem-estar social são cancelados. As políticas do Estado tem causado a destruição das pequenas e médias empresas.” (Chossudovsky, 1999:27)
Com tudo isto, o crescimento das favelas veio como consequência do substancial crescimento da miséria e falta de intervenções consideradas até simplistas feitas pelo Estado, como a falta de saneamento básico, segurança, saúde para a população destas comunidades. Condições de miséria frutos da própria herança colonial de alguns países são intensificadas. “Em suma: o capitalismo industrial “propõe” a formação de uma periferia produtora, em massa, de produtos primários de exportação, organizando-se a produção em bases capitalistas, quer dizer, mediante trabalho assalariado. É desta periferia que deveriam fazer parte as economias latino-americanas, conjuntamente ás demais economias pré-capitalistas.” (Mello, 1986:45)
Além de ter eliminado as chances dos empresários, quem sofreu as maiores consequências foram os trabalhadores, pois o que estas empresas querem além de benefícios do Estado e da degradação ambiental, é a possibilidade de pagamento de mão de obra mais barata do que em seus países de origem, com uma verdadeira exploração do trabalhador. Então estes são condicionados a aceitar trabalhar a preço de salários mínimos de fome que nem de longe são capazes de lhe dar algum tipo de subsistência.
Em todos os países em que foi implantado, ocorreu a concentração de renda e aumento da pobreza; o mundo se tornou mais instável e as crises econômicas, sociais e políticas mais constantes, os trabalhadores perderam direitos e garantias conquistados há séculos, precarizou-se o trabalho e reduziram-se os salários. Só o grande capital, e os especuladores em especial, podem comemorar o advento do neoliberalismo. (Costa, 2008:15)
Quando desregulariza e abandona o trabalho abre-se um caminho chave para a regulação à níveis mundiais dos níveis salariais e custos do trabalho. Consolida-se principalmente nos países do Terceiro Mundo, economias de exportação baseada em mão-de-obra barata, o que produz impactos também aos trabalhadores dos países centrais. “O desemprego mundial torna-se uma ‘alavanca’ da acumulação de capital global que ‘regula’ os custos do trabalho em cada economia nacional. A pobreza de massa regula os custos internacionais do trabalho.” (Chossudovsky, 1999, p.70)
Com a aplicabilidade de tais medidas percebe-se que o crescimento da miséria e a existência das favelas é viável e funcional ao capital na exploração do trabalhador. Quando a presença do Estado é inócua, a vulnerabilidade destes cidadãos pavimenta a construção de um caminho à submissão do trabalhador a condições de informalidade e precarização de trabalho. Os empregadores sentem-se livres para usar dos mais diversos meios para a expropriação destes. A situação chega a tal extremo que até quando há alguma tentativa de revitalização por parte do Estado, esta é deixada de lado, pois se percebe que a pobreza e a miséria de muitos são muito mais funcionais ao capital. “(...) essa imensa massa de camponeses pobres (...) tornou-se combustível humano baratíssimo para as sweatshops [literalmente “fábricas de suor”, onde os empregados são explorados nas longas jornadas de trabalho e nos parcos ganhos] (...) abrigando-se em barracos improvisados e quartos superlotados na franja das cidades.” (Davis, 2006:68-69)
Com a decrescente presença do Estado – o Estado Mínimo Neoliberal, agências do mundo todo tem tomado a frente para ajudar a melhorar a situação dos mais pobres. Só que essas agências não estão preocupadas em resolver os problemas destes e sim apaziguar uma possível revolta. Estas possuem a ideologia de aceitação das favelas como uma realidade dada e que, portanto seus moradores devem adaptar seus modos de sobrevivência a tal situação, além disto, elas tiram o foco sobre qual é principal causa do problema, destruindo qualquer espírito revolucionário nos moradores.
(...) As ONGs, observa a ativista e escritora Arundhati Roy, ‘acabam funcionando como o apito de uma panela de pressão. Desviam e sublimam a raiva política e garantem que ela não chegará ao ponto de explodir.’ As fastidiosas declarações oficiais sobre ‘capacitação’ e ‘boa governança’ evitam as questões básicas da dívida e da desigualdade global e, em último caso, não passam de jogos de linguagem que encobrem a ausência de macroestratégias para reduzir a pobreza urbana. (Davis, 2006:87)
Conclusão
Neste sentido, quando analisamos esta situação, percebemos que o problema está na dinâmica e lógica de reprodução capitalista próprias dos países de capitalismo de industrialização hipertardia, periférica e dependente. O que resta aos trabalhadores, nesta dinâmica é a busca de empregos no mercado informal e precarizado como possíveis “estratégias de sobrevivência”. Em suma, estes trabalhadores pelo fato de estar na ilegalidade não possuem nenhum direito e proteção social por Parte do Estado e sobrevivem como “verdadeiros farrapos humanos”.
Quando o Estado abdicou do seu papel de intervencionista social, este deixou apenas de ser gerador de benefícios dos pobres, pois aos ricos lhes delegou todo apoio. A grande desigualdade gerada por tal política foi essencial para o crescimento do mercado. “(...) Mas os mesmos ajustes que esmagaram os pobres e a classe média do setor público abriram oportunidades lucrativas para privatizadores, importadores estrangeiros, narcotraficantes, oficiais militares e políticos.” (Davis, 2006, p.160).
Com a diminuição da presença do Estado para a demanda de trabalho e regulação, ocorre um receituário para uma exploração sem limites do trabalhador. Cria-se formas de justificar o desemprego com a informalidade e uma aceitação aos baixos salários, além da depressão do mercado interno. “(...) A rentabilidade bruta das grandes empresas industriais melhorou desde alguns anos na quase totalidade dos grandes países capitalistas, sob o efeito conjugado do desemprego, da pressão sobre os custos salariais e da introdução de novos métodos de produção.” (Toussant, 2002:59)
O grande problema é quando aos pobres é delegada a culpa dos seus estados e o que estes fazem para sobreviver é considerado malicioso pelo Estado. Esquecem-se de que estas pessoas só estão nesta situação por conta da ganância de poucos, pois como facilmente pode ser obsevado através de dados, a riqueza mundial cresceu muito nas últimas décadas, só que esta não foi criada com o propósito de melhoria ao restante da população, e sim em benefício de poucos. Como Brian Raftopulos esclarece, “(...) a base dessa pobreza urbana é a crise da reprodução do trabalho e o fracasso constante da atual política econômica de estabilizar o meio de vida dos trabalhadores urbanos.” (Davis, 2006: 120). Dessa forma, quando trabalhadores não conseguem empregos no mercado “formal” e partem para o “informal”, estes são ainda mais reprimidos e tem seus meios de trabalho destruídos pelo Estado.
A economia informal, porém, tem sua face obscura quando de uma ponta aparecem trabalhadores que correm riscos diários em pequenas bancas em mercados na rua e na outra “está o grande bandido, o marginal contrabandista, o traficante milionário, o grande beneficiado por todo o esquema.” (Medeiros, 2005:29)
Há uma maior exploração do trabalhador nesta economia, pois como esta é “informal”, não há regulamentação, leis trabalhistas e contratos formais nela aplicada, garantindo um abuso muito maior do que na economia formal.
Percebe-se como as pessoas são abandonadas por qualquer tentativa de melhoria por parte tanto privada, quanto pública, já que como Davis demonstrou em seu livro Planeta Favela essa miséria é totalmente viável e necessária para o crescimento exacerbado de poucos.
(...) Não deveria surpreender que alguns jovens pobres (...) abracem o milismo religioso de Salafia Jihadia e alegrem-se com a destruição dos símbolos mais excessivamente arrogantes de uma modernidade estrangeira. Ou que milhões de outros prefiram a economia de subsistência urbana controlada por gangues de rua, narcotraficantes, milícias e organizações políticas sectárias. A retórica demonizadora das várias ‘guerras’ internacionais ao terrorismo, às drogas e ao crime são igualmente um apartheid semântico: constroem paredes epistemológicas ao redor das favelas, gecebondus e chawls, que impossibilitam qualquer tipo de debate honesto sobre a violência cotidiana da exclusão econômica. (Davis, 2006:202)
Informalidade e ilegalidade passam a andar juntos nesta nova lógica de reprodução. Quando se abandona o trabalhador este busca de diversas formas de sobrevivência e cria para si um novo contexto social decorrente da sua exclusão. O maior debate a ser feito é “Se o formal não é dado à todos porque condenar o informal e as atividades consideradas ‘ilegais’?”. É preciso um melhor posicionamento acerca do ambiente e condições em que vivem a maior parte da população mundial. A crise do sistema capitalista decorrente da sua cada vez maior expropriação da vida irá gerar cada vez mais a exploração do trabalhador e este irá procurar por seus próprios meios, maneiras de sobrevivência em meio à muralha imposta pelos mais ricos. “Enquanto a classe média do Terceiro Mundo fortifica-se cada vez mais em seus condomínios de parques temáticos no subúrbio e em suas casas ‘aldeias de segurança’ eletrificadas, perde a compreensão moral e cultural das urbanas terras de ninguém que deixou para trás.” (Davis, 2006:202)
Referências Bibliográficas
Batista, Paulo Nogueira, O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos problemas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
Costa, Edmilson, A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
Chossudovsky, Michel, A Globalização da Pobreza. São Paulo: Moderna, 1999.
Davis, Mike, Planeta Favela. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.
Lênin, V. I., O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo. Campinas: Navegando Publicações, 2011.
Medeiros, Luiz Antonio de, A CPI da pirataria: Os segredos do contrabando e da falsificação no Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2005.
Mello, João Manuel Cardoso, O Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Brasiliense S.A, 1982.
Netto, José Paulo; Braz, Marcelo, Economia Política: Uma introdução Crítica. São Paulo: Cortez, 2010.
Souza, Nali de Jesus de, Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Editora Atlas, 2007.
Toussant, Eric, A bolsa ou a vida - a dívida externa do terceiro mundo: As finanças contra os povos. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.