25/04/2024

Em nome da redenção? Sobre a violência revolucionária em Walter Benjamin

Por

 Em nome da redenção? Sobre a violência revolucionária em Walter Benjamin

Fernando Araújo Del Lama[1] (Universidade de São Paulo)
dellama.f@gmail.com
 
Trata-se de propor uma reflexão a partir do tema benjaminiano da violência revolucionária, buscando relacioná-lo com os conceitos de redenção, democracia e utopia. É verdade que tal tema recebeu pouca atenção em meio aos estudos a respeito do filósofo alemão, provavelmente pela vagueza conceitual com a qual o próprio Benjamin o trata.  No entanto, como se pretende esclarecer ao longo do texto, ele possui um papel fundamental para a compreensão adequada do diagnóstico de tempo produzido por Benjamin: segundo ele, não há possibilidades emancipatórias plenas se há ainda opressão, seja ela econômica, oriunda das classes detentoras dos meios de produção em relação ao proletariado, seja ela política, oriunda dos governos totalitários em relação às minorias discordantes da ideologia vigente. Em meio a esse cenário, tanto o fetichismo da mercadoria quanto a maquinaria propagandística fascista contribuíam decisivamente para a manutenção da opressão, já que são poderosos instrumentos mobilizados em favor dos agentes opressores. Estes, estando solidamente estabelecidos, dificilmente estarão dispostos a negociar ou ceder quaisquer avanços emancipatórias para as classes oprimidas, de modo a manter sua condição de dominação, de vencedores que triunfaram na História. Se as tentativas de negociação pacífica – à semelhança das estratégias da socialdemocracia, por exemplo – se mostram ineficazes, trazendo uma falsa impressão de ganhos emancipatórios e corroborando com a manutenção da dominação, resta apenas, diante de um adversário poderoso e articulado, reagir de maneira firme, enérgica, mas organizada. Como agir nesse contexto? Numa palavra: valendo-se da violência revolucionária, único meio para a eliminação das fontes de opressão, abrindo o horizonte para a consumação efetiva da redenção.
Nas próximas seções, serão evidenciados alguns aspectos centrais desta problemática, iniciando pela gênese do conceito em meio ao seu contexto teórico de juventude aos ecos em sua filosofia derradeira; em seguida, estes aspectos serão relacionados a outros elementos da filosofia benjaminiana desenvolvida na década de 30.
Violência revolucionária: vicissitudes da juventude à maturidade
É verdade que a violência revolucionária (revolutionäre Gewalt) não é um conceito formulado sistematicamente, tampouco se insere numa rede conceitual mais complexa, tal como as noções de violência mítica e de violência divina, por exemplo, amplamente desenvolvidas no ensaio Para a crítica da violência. Há uma única ocorrência desta expressão em toda a obra de Benjamin[2], no último parágrafo deste mesmo ensaio, no qual ele diz:
Se, no presente, a dominação do mito já foi aqui e ali rompida, então o novo não se situa num ponto de fuga tão inconcebivelmente longínquo, de tal modo que uma palavra contra o direito não é inteiramente inócua. Mas se a existência da violência para além do direito, como pura violência imediata, está assegurada, com isso se prova que, e de que maneira a violência revolucionária – nome que deve ser dado à mais alta manifestação da violência pura pelo homem – é possível[3] (Benjamin, GS II-1: 202[2011: 155]).
Por se tratar da conclusão do argumento, é conveniente relembrar alguns pressupostos para a sua justa compreensão. Durante todo o ensaio, Benjamin opõe pureza à violência, sendo as ações puras as que se opõe às ações que visam a manutenção da violência. No trecho citado, Benjamin fala em uma “pura violência”; seu significado é, nesse contexto, uma forma de exercício do poder ou de violência (no sentido de transgressão do poder estabelecido), enfim, de Gewalt, que não atua de modo a instituir ou corroborar um direito baseado no excesso de força que normalmente acompanha tais processos. Ora: não está em questão se os meios são violentos, mas se os fins para os quais se vale da violência colaboram para a manutenção da violência. A violência revolucionária é o correspondente humano da violência divina – James R. Martel utiliza a expressão “seu corolário humano” (Martel, 2012: 138). Ambas se opõem à violência mítica, instauradora e reguladora do direito, de modo que a ação, aqui, é apenas destrutiva: ela é responsável apenas pelo aniquilamento do direito vigente, sem procurar imediatamente substituí-lo por outro direito, também fundado no exercício do poder-como-violência. Esse caráter eminentemente destrutivo abre a possibilidade para o advento de algo novo, da superação das formas estabelecidas do direito. “Assim como em todos os domínios Deus se opõe ao mito”, constata Benjamin, “a violência divina se opõe à violência mítica” (Benjamin, GS II-1: 199 [2011: 150]). Da perspectiva benjaminiana, é o poder irracional e cego do mito que conserva a violência, devendo ele ser rejeitado e combatido em todas as suas formas, para que a possibilidade de uma sociedade orientada pela não-violência seja aberta. “Encontra-se acordo não violento em toda parte onde o cultivo do coração deu aos homens meios puros para o entendimento. [...] Cortesia do coração, inclinação, amor à paz, confiança, e o que mais poderia ser citado aqui, são seu pressuposto subjetivo”[4] (Benjamin, GS II-1: 191 [2011: 138-9]). Todavia, para a possibilidade do “acordo não violento”, é preciso combater e destruir o aparato mítico da violência, purificando-o e liberando-o dela através do emprego da violência divina/revolucionária.
A respeito destas ideias, há alguns estudos que as conectam diretamente às teses Sobre o conceito de História[5]. Eric Jacobson chama a atenção, num livro sobre política em Benjamin e Scholem, ao discutir temas oriundos do amigo e interlocutor de Benjamin, para o fato de que “na aplicação da violência revolucionária para alcançar fins messiânicos, grande importância é posta no sentido de redenção” (Jacobson, 2003: 200). Ora, apesar de o autor não estar tratando diretamente sobre Benjamin, esta afirmação é válida também para ele, já que o tema da redenção é trabalhado por ele Teses. Já Martel, por sua vez, é mais direto: ao discutindo a ideia de messianismo na filosofia benjaminiana, mais especificamente sobre a presença do Messias no mundo, relativizando-a com a interpretação de Derrida, ele diz:
É sabido também que Benjamin fala mais adiante nas “Teses” de “uma cessação messiânica dos acontecimentos, ou, dito de outro modo, uma chance revolucionária na luta pelo passado oprimido”. Aqui, de novo vemos o modo como o messianismo benjaminiano se sobrepõe às suas posições revolucionárias marxistas; os dois eventos (isto é, intervenção divina e ação humana) são dois lados da mesma moeda. A função do Messias é permitir uma cessação dos acontecimentos, portanto uma cessação da idolatria também; os agentes humanos preenchem a brecha da cessação com violência revolucionária (...) (Martel, 2012: 78).
Neste trecho, Martel conecta subitamente ideias apresentadas em textos de períodos separados por quase duas décadas de idas e vindas intelectuais, dentre as quais se destaca a “guinada materialista”[6] em meados da década de 20. Embora haja, é evidente, muitas continuidades entre os dois períodos, é prudente, todavia, se atentar às descontinuidades entre eles: em outras palavras, antes de realizar aproximações, é preciso reconhecer cuidadosamente as transformações pelas quais o pensamento benjaminiano passou, bem como as alterações temáticas entre um período e outro – elas são tão evidentes quanto as continuidades possíveis de serem traçadas. A começar, num contexto mais geral, por exemplo, pela ideologia política. Em 1921, Benjamin apresenta fortes tendências de cunho anarquista, uma vez que, ao longo do texto, a solução “emancipatória” encontrada por Benjamin diz respeito apenas ao desvencilhamento da violência mítica, cujo monopólio pertence ao Estado em sua forma tradicional: eles possuem uma relação de dependência mútua, logo, ao passo que levando ao cabo um, o outro é impossibilitado de se sustentar. Em 1940, depois do contato mais íntimo com a obra de Marx, as aspirações anarquistas juvenis de Benjamin transfiguram-se em convicções comunistas, reconhecendo tendências emancipatórias não mais na dissolução do Estado, mas no triunfo das classes oprimidas. Outro aspecto em que há diferenças marcantes é o lugar do messianismo em cada um desses momentos. Diverge-se, aqui, da interpretação de Martel: ele sugere que há, no contexto das Teses, um duplo processo concomitante para o desenrolar da revolução redentora, a saber, a intervenção divina – herança do conceito juvenil de violência divina – para a paralização do tempo, e a ação humana, de modo a preencher essa lacuna temporal com ações transformadoras, revolucionárias – herdeira da violência revolucionária. A leitura de Michael Löwy me parece mais acertada e condizente com a perspectiva materialista; conforme ele argumenta:
A redenção messiânica/revolucionária e uma tarefa que nos foi atribuída pelas gerações passadas. Não há um Messias enviado do céu: somos nós o Messias, cada geração possui uma parcela do poder messiânico e deve se esforçar para exercê-la. (...) Deus está ausente, e a tarefa messiânica é inteira­mente atribuída às gerações humanas. O único messias possível é coletivo: é a própria humanidade, mais precisamente, (...) a humanidade oprimida. Não se trata de esperar o Messias, ou de calcular o dia de sua chegada – como o fazem os cabalistas e outros místicos judeus que praticam a gematria – mas de agir coletivamente. A redenção é uma auto-redenção, cujo equivalente profano pode ser encontrado em Marx: os homens fazem sua própria história, a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores (Löwy, 2005: 51-2).
Quer dizer: parece que o equívoco de Martel consiste na transposição anacrônica de alguns dos conceitos formulados em 1921 ao contexto filosófico de 1940.  Sob a égide do messianismo anárquico do jovem Benjamin, aguardar a intervenção divina como o sinal para o início da ação era coerente. No entanto, o ponto de vista materialista que animou seu pensamento maduro, especialmente quando se leva em conta sua particularíssima apropriação da obra de Marx[7], parece ter substituído a espera atenciosa pela compreensão da urgência e da necessidade da ação: a fé na intervenção divina deu lugar à possibilidade de autocontrole da humanidade sobre seu próprio destino. Nesse sentido, o aspecto messiânico presente nas teses não vai muito além do âmbito da inspiração para a ação, de retomar os anseios de realização plena de uma era de justiça, felicidade e paz que o acompanha. Até mesmo a esfera de atuação ativa do Messias, sua intervenção no curso dos acontecimentos, parece ter se disseminado sobre os homens, tornando humana esta tarefa: “Interromper o curso do mundo – esse era”, diz Benjamin em Parque Central, “o desejo mais profundo em Baudelaire. O desejo de Josué” (Benjamin, GS I-2: 667 [1989: 160]); porém, agindo isoladamente, Baudelaire, assim como qualquer outro homem moderno, era incapaz de realiza-lo. Para a realização da tarefa messiânica, dever-se-ia agrupar coletivamente as “fracas forças messiânicas” distribuídas em sua geração, além de rememorar os esforços de seus antepassados, silenciados e enterrados pela História. Benjamin narra, ao final da tese XV, um acontecimento ocorrido na Revolução de 1830 que sugere, também, o caráter eminentemente humano, profano, desta tarefa:
Ainda na Revolução de Julho ocorreu um incidente em que essa consciência [da história] se fez valer. Chegado o anoitecer do primeiro dia de luta, ocorreu que em vários pontos de Paris, ao mesmo tempo e sem prévio acerto, dispararam-se tiros contra os relógios das torres. Uma testemunha ocular, que, talvez, devesse a rima a sua intuição divinatória, escreveu então: Quem poderia imaginar! Dizem que irritados contra a hora / Ao pé de cada torre, Josués novos / Para parar o dia, atiraram nos relógios[8] (Benjamin, GS I-2: 702 [2005, p. 123]).
Ou seja: os revolucionários tomaram para si a tarefa messiânica, agindo em vez de esperar. Ora, a concepção do progresso como acúmulo de catástrofes, registradas no tempo meramente quantitativo, “homogêneo e vazio”, tal como formulada tardiamente, não é mais compatível com a estratégia emancipatória do jovem Benjamin, devendo ser necessariamente atualizada. Assim, nesse novo contexto, a vinda do Messias não deve ser aguardada como sinal para a ação, mas provocada pela própria ação. Isso implica que a concepção de violência divina se dissolve na de violência revolucionária; não são mais duas forças que atuam conjuntamente, mas uma só, que incorpora as potencialidades de ambas, quais sejam, interromper o transcurso do tempo e transformar a realidade. Se, outrora, é o poder divino que “atinge privilegiados (...) sem preveni-los, golpeia sem ameaçá-los (...)” e “ao mesmo tempo expia a culpa” (Benjamin, GS II-1: 199 [2011: 151]), cabe, agora, apenas aos próprios homens fazê-lo, mais precisamente aos oprimidos, portadores do universal. O mito, por sua vez, continua a ser o adversário a ser combatido, porém, não mais como violência, mas como ideologia que mascara e falseia o real[9].
Filosofando contra a letargia
Diante disso, torna-se mais simples compreender a crítica de Benjamin à postura socialdemocrata[10] e da maioria dos socialistas de sua época: permeada por um otimismo em relação à resolução automática das contradições do capitalismo, que resultaria no irresistível triunfo do proletariado, a socialdemocracia acabava sempre postergando ações mais enérgicas e decisivas, ou numa palavra, revolucionárias. À passividade socialdemocrata, Benjamin contrapunha a urgência da ação, da atividade: quanto mais o tempo passa, mais a dominação aumenta, mais o espectro de ações possíveis é tolhido e mais a catástrofe se torna iminente. Por isso, a necessidade do plumpes Denken, do pensamento grosseiro, sobre a qual Benjamin e Brecht tanto discutiam. Segundo Kkonder:
Para que a teoria não se converta num torneio de espadachins que dão um espetáculo exclusivo para as elites, para que a teoria supere os horizontes do elitismo e possa sensibilizar setores cada vez mais amplos, imprescindíveis para que ela se transforme em ação, uma certa "grossura" – acreditava Benjamin – era imprescindível (Konder, 1999: 74).
Ou seja, de acordo com Benjamin, quanto mais rebuscada e repleta de sutilezas for a teoria, quanto mais ela buscar elencar a maior quantidade de “mediações dialéticas” para uma vasta e detalhada reconstituição da totalidade[11], menos vínculo com a práxis propriamente dita ela terá. Uma vez que este nível de complexidade teórica demanda uma temporalidade incompatível com a urgência dos fatos, torna-se preciso formular uma teoria minimamente consistente e transformá-la rapidamente em práxis, para que ela possa se tornar instrumento dos oprimidos na luta contra a opressão. A valorização do “pensamento grosseiro” é um dos vários pontos em que as reflexões políticas de Benjamin e Brecht se cruzam. Certamente, a amizade com o poeta provocou grandes mudanças no filósofo: outrora um sujeito pacato – que na primeira estadia na Dinamarca em companhia do amigo poeta, deixava-o impaciente durante as partidas de xadrez, fazendo-o querer, inclusive, mudar as regras do jogo milenar[12] –, Benjamin se converteu num filósofo combativo, que lutou contra a opressão até seu último suspiro. Cabe observar ainda que as críticas benjaminianas não se dirigem aos objetivos da socialdemocracia, isto é, o estabelecimento de um regime democrático, mas ao modus operandi do qual ela se vale para atingi-los[13]. A tentativa de negociação pacífica com um adversário mais forte não se mostra logicamente viável, pois uma concessão de benefícios de qualquer ordem aos oprimidos ou menos favorecidos pressupõe uma diminuição da força dos mais favorecidos, uma vez que o jogo de forças já está disposto sob a forma da luta de classes. Assim, os opressores, por medo de perderem sua posição privilegiada na dinâmica da sociedade capitalista, que lhes garante a frente no cortejo triunfal dos vencedores, concedem apenas aquilo que não opõe resistência efetiva à manutenção de sua posição. Por isso, a estratégia socialdemocrata se assenta numa falsa noção de emancipação: ela apenas contribui, sob a máscara emancipatória, para a manutenção da dominação; é exigência dos oprimidos derrubar essa máscara, desvelando o único medium emancipatório possível de redimi-los plenamente, a saber, a revolução. A ação revolucionária deve ser enérgica, decisiva, até mesmo brutal. A burguesia, e posteriormente o fascismo, representantes dos interesses dos opressores, ao configurarem-se como impeditivos para a realização plena da redenção, devem ser eliminados[14], pois do contrário, a possibilidade de redenção, de transformação radical da sociedade, permanecerá bloqueada.
Redenção, utopia e democracia
O uso de violência neste processo de eliminação parece ser inevitável – não mais no sentido estrito do ensaio de juventude, mas num sentido um pouco mais genérico e livre. Poder-se-ia objetar a Benjamin que haveria, à primeira vista, uma espécie de inversão de papéis na consumação desse processo: uma vez assumido o poder, seria instaurada uma ditadura do proletariado, na qual os opressores do passado se tornariam os oprimidos do presente, mantendo, ainda que temporariamente, o monopólio da violência em um dos polos. Bastaria precisar, para afastar essa hipótese, a concepção benjaminiana de redenção e sua relação com sua noção de utopia. Benjamin não se envereda nem pela ditadura do proletariado de extração marxista mais clássica, tampouco a concebe com qualquer tipo de privilégios de liderança aos intelectuais, como gostaria Horkheimer[15], mas trata-se, em vez disso, de uma idealização utópica que corresponde à realização humana, portanto profana, das características presentes no reino messiânico prometido. Conforme ensina Löwy, a noção benjaminiana de redenção traz em seu bojo marcas da noção de apokatastasis, oriunda do pensador cristão Orígenes[16] (Cf. Löwy, 2005: 55). Segundo esta doutrina, no dia do Juízo Final, Deus salvaria todas as almas, sem fazer distinção entre elas, restaurando-as a um estado paradisíaco inicial, anterior à queda. Assim,
a redenção, o Juízo Final da tese III, é então uma apocatástase no sentido de que cada vítima do passado, cada tentativa de emancipação, por mais humilde e “pequena” que seja, será salva do esquecimento e “citada na ordem do dia”, ou seja, reconhecida, honrada, rememorada (Löwy, 2005: 55).
Essa restauração não seria um retorno ao paraíso primevo no sentido mais forte, messiânico, mas a atualização de supostas experiências obtidas em um passado arcaico – cujo correspondente secular é justamente o modelo de comunismo primitivo estudado por Bachofen – que, em interação com o novo, abriria os caminhos para, alegoricamente[17], isto é, buscando representar o irrepresentável, realizar no mundo o sonho da utopia. Numa bela e precisa formulação de Adorno sobre o funcionamento do procedimento alegórico em seu âmbito mais geral, para além da interpretação das obras de arte, é ele um: “despertar no que estava petrificado a vida congelada, mas também considerar o que está vivo de modo tal que se apresente o que há muito já transcorreu, o ‘proto-histórico’, para liberar de súbito a significação” (Adorno, 1998: 228).
Com efeito, essa dimensão da noção de redenção é válida e corresponde às preocupações de Benjamin em dar voz aos silenciados pela História. Há, porém, outra dimensão presente nela, e que auxilia na compreensão do problema aqui posto. Se o poder de Deus é tão grandioso que Ele é capaz de salvar todas as almas indistintamente, estão inclusos tanto os justos quanto os injustos. A restauração reconciliadora, o retorno ao paraíso anterior à queda, portanto, não se aplicaria apenas aos injustiçados, mas também aos que cometem injustiças. Em termos profanos, isso significa que a revolução, concebida como abolição da cisão entre opressores e oprimidos, se propõe a libertar não apenas os oprimidos, mas a humanidade como um todo; libertá-la da alienação de sua humanidade – de sua reificação, para dizer com Lukács. O velho Marx, junto a Engels, n’A Sagrada Família, já dizia que tanto a burguesia opressora quanto o proletariado oprimido estão, ambos, alienados: “ambas [as classes]”, sintetiza Reyes Mates a partir desse tema,
vivem alienadas – uma porque foi despojada do que é seu e a outra porque possui o que não é seu –, mas com diferenças: a classe possuidora está à vontade na alienação, pois esse estado se traduz em poder e ela percebe esse poder como aparência de uma existência humana. Para o proletariado a situação é insuportável, pois se traduz de fato em existência desumana. Ambas as classes são antagônicas, já que a primeira não pode viver sem o sustento da segunda e a segunda não pode aspirar a uma existência humana senão negando a primeira (Mates, 2011: 114-5).
Mesmo os opressores são meras ferramentas do real poder responsável pela manutenção da opressão, a saber, o fetichismo que subjaz ao “sex appeal do inorgânico” (Benjamin, GS V-1: 51 [2006: 45]), e sua contrapartida reificadora que age sobre as relações humanas e sociais. O triunfo revolucionário dos oprimidos, violento ou não, seria o único meio de restituir a possibilidade de uma vida plenamente humana aos homens: segundo Marx e Engels, o proletariado “não pode libertar-se a si mesmo sem supra-sumir (aufheben) suas próprias condições de vida. Ele não pode supra-sumir suas próprias condições de vida sem supra-sumir todas as condições de vida desumana da sociedade atual, que se resumem em sua própria condição” (Marx; Engels, 2003: 49).
Considerações finais
Em suma, espera-se ter conseguido demarcar as linhas gerais do âmbito do emprego da violência, seus limites e condições no contexto da filosofia tardia de Benjamin. De modo a retomar algumas das questões que serviram de ponto de partida para este texto e tentar responde-las, o emprego de violência na filosofia da ação política benjaminiana não é da mesma natureza da que se valem os regimes totalitários: esta é banalizada, é meio para sua própria manutenção, não possui um propósito racional, ou melhor, qualquer propósito; aquela, pelo contrário, é consciente de sua necessidade e tem clareza dos fins que almeja alcançar, quais sejam, libertar do jugo da desumanidade não só os oprimidos, os próprios sujeitos da violência revolucionária, mas também aqueles que os oprimem, seus adversários em primeira instância no combate contra o Capital. “O proletário bebeu”, enfatiza Mates,
até o fundo o cálice do desumano e experimentou que essa desumanidade não é só sua, mas de toda a sociedade: ninguém nessa sociedade vive humanamente porque as relações sociais estão estruturadas como aparência de humanidade e não como humanidade realizada. A rebelião contra suas cadeias é a rebelião contra todas as cadeias que privam o homem de uma existência humana (Mates, 2011: 115).
É, pois, a plena consciência de que a existência individual não é mais digna do que a existência coletiva justa (Benjamin, GS II-1: 201 [2011: 153-4]) que deve animar o espírito revolucionário.
À guisa de encerramento, talvez seja pertinente uma problematização do raciocínio de Benjamin: o uso da violência revolucionária com vistas a dissolver as classes opressoras e, por conseguinte, a luta de classes, somente é autorizado num cenário muito específico, a saber, no caso do atendimento de sua condição sine qua non, a saber, a realização profana de um reino messiânico. No entanto, nada garante que a História não contrarie – como ela bem gosta de fazer – mais uma vez, os filósofos que se debruçam sobre seus destinos. Benjamin acredita no poder da rememoração das experiências fracassadas de nossos ancestrais e na atualização dos esforços nelas despendidos como via régia para atingir uma sociedade emancipada; pervertido, porém, o aspecto prático destas teorizações, só nos restaria acrescentar mais uma à imensa galeria de tentativas frustradas de realização do verdadeiro comunismo, da realização plena dos ideais iluministas. Ao menos, fica clara a fé no ser humano e em que ele, dotado de seus próprios meios, é plenamente capaz de se emancipar, fé esta que, à revelia de todas as frustrações, nunca pode ser abandonada.
Referências Bibliográficas
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-, “Rua de mão única”. En: -, Rua de mão única. Trad.: Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras escolhidas, 2)
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Marx, K.; Engels, F., A sagrada família ou A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e consortes. Trad.: Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2003.
Mates, R., Meia noite na história. Comentários às teses de Walter Benjamin 'Sobre o conceito de história'. Trad.: Nélio Schneider. São Leopoldo/RS: Editora UNISINOS, 2011.


[1] Mestrando em Filosofia, com projeto de pesquisa fomentado pela FAPESP, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Ribeiro Terra.
[2] Os textos de Benjamin serão citados de acordo com a edição Gesammelte Schriften, estabelecida por Rolf Tiedemann e Hermann Schweppenhäuser e editada em sete volumes pela editora Surkhamp entre 1972 e 1991, abreviada doravante por GS, seguida da indicação do volume em algarismos romanos e do tomo em algarismos arábicos, além da página, também em números arábicos. Quando houver necessidade, será indicada na sequência, entre colchetes, o ano da tradução utilizada, bem como a página correspondente, que podem ser conferidas na bibliografia ao final do texto. Por fim, em caso de citações de fragmentos coligidos entre os materiais das Passagens, será indicado o código de catalogação do fragmento.
[3] Sabe-se que este ensaio é construído a partir da ambiguidade da expressão alemã Gewalt, que pode significar tanto poder (relativo ao poder político legítimo e ao seu exercício autorizado) como violência (relativa ao excesso de força que ameaça acompanhar o exercício do poder caso ele encontre resistência). Vale observar que, em língua portuguesa, há três traduções para ele, com soluções diferentes para os dilemas produzidos por esta ambiguidade. Na tradução que integra a edição organizada por Willi Bolle, (cf. Benjamin, 1986), de título Crítica do poder – Crítica da violência, opta por manter os dois termos em sua tradução, fazendo opções circunstanciais para cada ocorrência de Gewalt ao longo do texto. Na tradução portuguesa publicada em 2008 (e republicada no Brasil em Benjamin, 2013b), a solução encontrada por João Barrento é semelhante a de Bolle, diferenciando-se apenas pela opção de, em vez de duplicar o título, manter a ambiguidade numa única expressão – Sobre a crítica do poder como violência. Por fim, na mais recente delas (cf. Benjamin, 2011), Ernani Chaves traduz literalmente o título como Para uma crítica da violência, e em longa nota explicativa da editora da coletânea, a ambuiguidade a partir da qual deve-se ler o conceito chave do ensaio é esclarecida. As três são ótimas traduções; utiliza-se, no entanto, a de Ernani Chaves apenas por uma questão de uniformidade terminológica, já que no trecho citado, fundamental para o desenvolvimento da argumentação, o termo Gewalt é traduzido por violência, ao passo que nas outras o termo escolhido é poder.
[4] Na sequência desta passagem, Benjamin afirma que o “campo mais apropriado” para se resolver conflitos sem o emprego de violência é o do “diálogo, considerado como técnica da civilidade no entendimento”. “Nele”, esclarece Benjamin, “não só é possível um acordo não-violento com a como a exclusão, por princípio, da violência encontra explicitamente sua expressão em uma relação significativa: a de não haver punição para a mentira. (...) O que quer dizer que existe uma esfera da não-violência no entendimento humano que é totalmente inacessível à violência: a esfera própria da ‘compreensão mútua’, a linguagem”. Habermas leu muito bem esse aspecto da filosofia benjaminiana; aliás, em seu único artigo dedicado a Benjamin, é justamente no intercâmbio de experiências comunicáveis, bem como na possibilidade de transcender o caráter “decaído” da linguagem instrumentalizada, resgatando sua dimensão constitutiva e essencial calcada na compreensão mútua e na comunicabilidade, que ele insiste residir a “atualidade de Benjamin” (Cf. Habermas, 1980: 202 ss). Não por acaso, obviamente, estes elementos vão totalmente ao encontro das teorizações habermasianas sobre o agir comunicativo.
[5] Doravante, apenas Teses.
[6] Na literatura benjaminiana, o termo mais comum para descrever a ruptura em sua trajetória intelectual é “virada”. Contudo, o termo “guinada” é o que melhor compreende o movimento da obra de Benjamin: se ocorresse, por exemplo, uma “virada” materialista, o filósofo teria de abandonar os desenvolvimentos de cunho teológico-metafísico, o que não procede e que é refutável textualmente sem muito esforço (basta lembrar das diversas referências teológicas nas Teses de 1940, por exemplo). Ora, a perspectiva marxista parece ampliar o alcance de algumas questões de cunho social que já preocupavam Benjamin, fornecendo-lhe um solo seguro para desenvolvê-las. Leandro Konder afirma acerca da maneira como Benjamin lida com as transformações de seu pensamento, que “quando seu pensamento avança, não sente necessidade de promover nenhum ajuste de contas dramático com as convicções que vinha adotando até então. Talvez porque seu modo de pensar se caracterizasse por um autoquestionamento mais constante, no movimento de sua reflexão, ele não apresenta momentos dramáticos de autocrítica (...). Quando adquire novos conhecimentos, forja para si mesmo novas convicções, ele não se se limita, obviamente, a acrescentar as noções recém-adquiridas às noções de que já dispunha: promove, com certeza, um rearranjo em suas ideias” (Konder, 1999: 32-3). Em suma, a própria escolha do termo “guinada” é uma maneira de superar esse impasse, já fixando uma posição interpretativa.
[7] Certamente, a obra de Marx é bastante diversificada e abre caminhos para inúmeras interpretações, como a própria herança marxista o atesta; no caso de Benjamin, há alguns pontos que divergem das leituras mais ortodoxas, como o papel positivo do lumpemproletariado na luta de classes, ou até mesmo a concepção de revolução, que contraria a ideologia iluminista do progresso pela qual Marx se orienta. O primeiro destes pontos pode ser reconstituído a partir, sobretudo, dos primeiros ensaios sobre Baudelaire, onde Benjamin atribui potencialidades revolucionárias ao lumpemproletariado – os trapeiros, os apaches e as prostitutas, por exemplo – devido ao abismo que há entre ele e a dinâmica da sociedade; no que tange à revolução, por exemplo, as diferenças entre Benjamin e Marx podem ser delineadas a partir de um fragmento textual, uma anotação que não foi integrada à “versão final” das Teses, na qual Benjamin inverte o raciocínio de Marx: “Marx disse que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Mas talvez isso se apresente de modo diferente. É possível que as revoluções sejam a ação, pela humanidade que viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência” (Benjamin, GS I-2: 697-8).
[8] Tradução levemente alterada dos versos em francês, apenas para manter a “rima” de que fala Benjamin.
[9] Há uma anotação, coligida entre os materiais do projeto inacabado das Passagens, que expressa muito bem a conotação do mito na filosofia tardia de Benjamin: “Enquanto ainda houver um mendigo, ainda haverá mito” (Benjamin, GS V-1: 505 [2006: 444] – K 6, 4). É nesse sentido, pois, que pode ser entendida a generalização feita por Adorno na seguinte afirmação: “A reconciliação do mito é o tema da filosofia de Benjamin” (Adorno, 1986: 229).
[10] As críticas tecidas à socialdemocracia podem ser reconstruídas a partir de algumas das Teses (XI, XII, XIII e XVIIa, sobretudo), bem como de trechos do ensaio sobre Eduard Fuchs, em especial do primeiro capítulo, que em muitos momentos antecipam – inclusive literalmente – alguns dos temas que seriam desenvolvidos posteriormente nas Teses (Cf. Benjamin, GS II-2: 465-505 [2013: 123-164]). Uma vez que este não é o tema principal deste texto, serão tecidas apenas considerações mais gerais a seu respeito; para o desenvolvimento inicial de alguns de seus aspectos, cf. o texto de minha autoria. Cf. Lama (2013).
[11] Sabe-se que uma postura desta feita era professada pela alta cúpula do Instituto de Pesquisa Social, como por exemplo, no projeto encabeçado por Horkheimer de construção de um “materialismo interdisciplinar”, aliando filosofia e as mais diversas disciplinas sociais, como a sociologia, o direito, a crítica literária e de arte, a psicanálise, o direito, etc. Não por acaso, são dessa mesma época – meados da década de 30 – as cartas nas quais Adorno passa a censurar os trabalhos de Benjamin sobre Baudelaire submetidos à revista do Instituto, acusando-os de possuírem uma dialética falha em mediação, evidenciando tanto a inspiração irredutivelmente hegelo-marxista do materialismo do Instituto quanto a tentativa de afastar qualquer pensamento dialético avessa a ela.
[12] Benjamin costumava anotar os principais temas discutidos com Brecht quando de sua estadia em sua companhia, em 1934. A nota do dia 12 de julho é deveras interessante em vista deste assunto: “Ontem”, relata ele, “depois da partida de xadrez, Brecht disse: ‘Então, quando [Karl] Korsch chegar, temos que elaborar um novo jogo com ele. Um jogo em que as posições não permaneçam sempre as mesmas; em que a função das peças mude depois de um tempo imóveis na mesma posição: elas vão ficar então mais fortes ou mais fracas. Do jeito que está, não há desenvolvimento; as coisas permanecem tempo demais como são’” (Benjamin, GS VI: 526 [2010]).
[13] Os elementos democráticos presentes na filosofia de Benjamin podem ser assimilados a partir do elogio às sociedades matriarcais na aurora da humanidade, estudas por Bachofen em seu livro sobre o matriarcado (Mutterrecht). Esta apropriação das descobertas de Bachofen encontra precursores importantes, como Friedrich Engels, tal como o própria Benjamin nota em seu artigo sobre o antropólogo. Cf. Benjamin, GS II-1: 219-233 [2013a: 91-107].
[14] Este imperativo ganha sua expressão mais poderosa no fragmento Alarme de Incêndio, em Rua de Mão Única: conforme bradava Benjamin ali, “se a eliminação da burguesia não estiver efetivada até um momento quase calculável do desenvolvimento econômico e técnico (a inflação e a guerra de gases o assinalam), tudo está perdido. Antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso que o pavio que queima seja cortado”. A explosão da dinamite significa a destruição da humanidade, já que “possa a burguesia vencer ou ser vencida na luta [de classes], ela permanece condenada a sucumbir pelas contradições internas que no curso do desenvolvimento se tornam mortais para ela” (Benjamin, GS IV-I: 122 [1987: 45-6]). Ou seja: para Benjamin, tudo estaria perdido caso a burguesia não fosse eliminada a tempo, pois ela destruiria seus adversários e a si mesma em seguida.
[15] “O intelectual que, numa veneração momentânea da força de criação do proletariado encontra sua satisfação em adaptar-se e em fazer apoteoses, não vê que qualquer poupança de esforços do seu pensamento e a recusa a uma oposição momentânea às massas, para as quais ele poderia levar os próprios pensamentos, faz com que estas fiquem massas mais cegas e fracas do que precisariam ser. Seu próprio pensamento faz parte do desenvolvimento das massas como um elemento crítico e estimulador. (...) O pensamento, a formulação da teoria, seria uma coisa, enquanto que o seu objeto, o proletariado, seria outra. Contudo, a função da teoria crítica torna-se clara se o teórico e a sua atividade específica são considerados em unidade dinâmica com a classe dominada, de tal modo que a exposição das contradições sociais não seja meramente uma expressão da situação histórica concreta, mas também um fator que estimula e que transforma” (Horkheimer, 1975: 143-4, tradução modificada).
[16] Embora Benjamin não cite e nem faça referência ao conceito origenista nas Teses, ele conhecia as doutrinas do pensador cristão, como fica claro nas alusões feitas a elas no capítulo 17 de seu ensaio sobre Nikolai Leskov (Cf. Benjamin, GS II-2: 458[1985: 216]).
[17] Para uma discussão mais extensa sobre a relação entre os conceitos de alegoria, história e modernidade, cf. o segundo capítulo, intitulado “Alegoria, Morte, Modernidade” do livro de Jeanne Marie Gagnebin (2011: 31 ss).

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