Em fevereiro de 2015 o Partido dos Trabalhadores completa 35 anos de intensa atividade política no Brasil e na América Latina, parte dos quais como referência progressista na região. Três décadas e meia é tempo suficiente para entendermos melhor o sentido histórico do Projeto PT, algo que envolve bem mais do que a simples formação de uma instituição político-partidária com vistas a disputas parlamentares. Trata-se de um conceito de organização consentida das massas rurais e urbanas, historicamente ancorado num contexto de transição burguesa possível para o país que emergia de uma longa ditadura militar sem disposição de romper com sua tradição autocrática. Hoje, enfim, é possível afirmar que esse projeto se realiza à revelia da esperança popular aí depositada e do envolvimento de amplos setores da esquerda que acreditaram-se no interior de um campo em disputa. No decorrer dos anos, alguns lograram abandoná-lo para bem preservar a dignidade da sua opção socialista. Os que permanecem alinhados ao projeto padecem da mesma decadência ideológica do projeto.
Na oposição e na situação, o PT remeteu as massas para a ilusão da política como abstração, funcionando como uma bem sucedida partícula apassivadora da luta de classes. E, nos últimos 12 anos à frente do executivo máximo do país, cumpre exitosa função regeneradora do processo de reprodução do capital em tempos de crise estrutural. As primeiras movimentações deste 4º mandato mostram que a tendência certamente se confirmará com ainda maior realismo político. Pois foi com a mediação preciosa do petismo no Planalto que o Brasil atinge o que, de fato, se poderia chamar de uma era dos extremos: o desenlace de um padrão de desenvolvimento que, apesar de toda assistência à miséria, amplia a desigualdade social, pavimenta os caminhos da produção destrutiva e consolida sua constituição estruturalmente frágil e subserviente ao capital internacional (Banco Mundial e FMI).
Segundo o economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Reinaldo Gonçalves, o problema estrutural do país atende pelo nome de Modelo Liberal Periférico (MLP), ou seja, um “modelo híbrido que combina o que há de pior do liberalismo e da periferia e tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização, regulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro.” Num quadro político que reproduz em novas bases a velha fórmula patrimonialismo/clientelismo, amplificando os canais da corrupção e os abusos de poder econômico, a função distributiva promovida pelo Estado só pode ser “rasa, superficial e circunstancial, visto que não ataca o problema da distribuição funcional da renda (salários versus rendas do capital) e da distribuição da riqueza.”
[2] Fato é que a dinâmica dessa política econômica deu contribuição inestimável a uma acumulação de riquezas sem precedentes na nossa história.
Na razão inversa dessa mesma lógica, nossas classes trabalhadoras são destroçadas pelo desemprego estrutural e sucessivos golpes contra seus direitos.
[3] Por isso importante parcela da população economicamente ativa é premida pelas necessidades mais primárias de sobrevivência o que as obriga a submeter-se às novas formas de superexploração do trabalho precarizado. A incidência crescente do trabalho análogo à escravidão é um dos resultados dessas necessidades. O rebaixamento da qualidade de vida da população de baixa renda nas áreas urbanas e rurais, em função das péssimas condições dos serviços públicos de saúde, educação e transporte, é outro fator de estrangulamento social. O processo configura uma crise de gravidade inaudita com a situação de caos que se cria pela escassez da água na região sudeste, justamente a que concentra as metrópoles mais populosas do país. Obviamente que a falta de chuvas que vem secando as represas e que castiga, sobretudo, as populações das periferias, não é um fenômeno natural nem se origina da má gestão deste ou daquele mau governante (o que não deixa também de ser verdadeiro). O problema se origina do modelo de produção destrutiva que impõe o desmatamento - a desertificação - da região amazônica para a mineração, a pecuária e a monocultura, setores que exigem ainda a geração de energia e consequente intervenção sobre o curso dos rios para a construção de hidrelétricas.
[4]
As contradições sociais se acumulam no país e desde as manifestações de junho de 2013 a cena brasileira expõe, pelas razões mais diversas e mais dramáticas, uma explosão de lutas sociais com forte dimensão de classe. Isso pode significar que o nosso antigo e funcional alinhamento com a conciliação autocrática – revigorada com êxito pelo lulismo no último período – esteja encontrando dificuldade de controlar/conter o clamor das necessidades mais urgentes que apenas começam a agitar as massas no país.
I. O Projeto PT
Ao findar os anos de 1970, a ditadura civil-militar no Brasil começava a encontrar sérias dificuldades para dar prosseguimento a sua prática suspensiva das liberdades civis. Foi pela força, porém, que essa quadra da história brasileira completou, com êxito, as tarefas a que se dispusera realizar em 1964: interrompeu o avanço dos levantes populares e os perigos de cubanização do maior país da América Latina; manteve caladas as vozes dissonantes e abriu as nossas fronteiras para o capital estrangeiro; por fim, impulsionou, com pesados recursos financeiros, um processo truculento de modernização no país.
Com violência aprimorada na Escola das Américas, implantou, nos anos de 1970, a chamada Revolução Verde, através do que criou agroindústrias e industrializou o campo com muito veneno e inovações tecnológicas; dinamizou o Projeto Carajás (PA) e toda a cadeia destrutiva que envolve a mineração, fundada ainda no governo Vargas com a criação da Companhia Vale do Rio Doce; expropriou uma imensidão de terras – e em não poucos casos exterminou ou escravizou - indígenas, quilombolas e pequenos camponeses expulsando-os para as periferias das cidades.
[5] Consumou, enfim, uma das fases mais agressivas de proletarização a que esse país já assistiu visando prover de força de trabalho a demanda expandida de múltiplos setores da produção nos meios urbano e rural. Estavam ali fundados os alicerces necessários à dinâmica do neoliberalismo praticado dos anos de 1990 até os dias de hoje.
Mas, apesar da ostensiva militarização das instituições brasileiras, do regime político que, com o intuito de servir ao capital, deprimiu todos os canais de contestação da ordem, as contradições sociais se acirram e as manifestações de insatisfação se tornam inevitáveis. É assim que os anos de 1968 e 1969 se abrem para uma
onda rebelde, quando se deflagram as greves de Contagem, Minas Gerais, de Osasco e do Grande ABC, em São Paulo, envolvendo milhares de trabalhadores fabris. As massas começam a se movimentar ousando romper o silêncio imposto pelos generais. Greves nas fábricas, ocupações de terras e de prédios públicos, formação de núcleos de base, de associações de bairro, enfim, ações populares no campo e nas periferias urbanas constituíam a cena social que avançava a propositura das lutas ante-golpe.
[6] O PT surge, nesse contexto de agudização da luta de classes, como alternativa política de reorganização das massas.
É neste mesmo contexto que surgem ainda a CUT e o MST. A CUT representando o conjunto dos trabalhadores assalariados e organizados em sindicatos de oposição aos pelegos apoiados pela ditadura. O MST recompondo, em novas bases, a luta pela terra e pela Reforma Agrária ensejada pelas Ligas Camponesas nos anos de 1950, início de 1960.
Sem a perspectiva de uma ruptura anticapitalista, o horizonte político desta articulada tríade da história recente do país se efetivava no combate à ditadura já em franco declínio e na fermentação de lutas pela recomposição e ampliação de direitos para a classe trabalhadora. Tudo indica que a expectativa do PT/CUT/MST teve seu limite na transição democrático-burguesa possível para a periferia, preservando-se a parcialização das lutas defensivas e institucionalizadas: sindical (o braço industrial), parlamentar (braço político) e agrário (braço camponês).
Desde o princípio, a tática eleitoral já estava colocada para a maioria das tendências representadas dentro do PT, pois isso significava a retomada da democracia no país. Durante algum tempo, a perspectiva das urnas caminhou pari passu com as lutas mais combativas de enfrentamento da ordem (as greves e as ocupações de terra, principalmente). Mas, o fim da ditadura (1985) balizou a real consistência do projeto petista enquanto alternativa da classe à ordem. Antevia-se o dilema que levou sua militância a optar ou pela linha de menor resistência ou pelos caminhos da transição socialista o que, neste último caso, implicou na dissidência.
Já na segunda metade dos anos de 1980, Lula se converte de líder operário em líder da “socialdemocracia dos trópicos”, tornando-se, entre nós, o paladino de um tardio, breve e muito relativo “Estado de bem-estar social”.
[7] Em que pesem as forças anticapitalistas que disputaram a hegemonia interna do PT, forças das quais passou a emanar uma radicalidade cada vez mais incômoda, a tendência moderada, responsável pelo fenômeno em que se converteu o
lulismo, foi imperativa e adotou a via branda da negociação com a burguesia que se beneficiara da ditadura. A história de hoje nos permite afirmar que o programa democrático-popular do PT se tornou prevalecente porque inviabilizou todas as alternativas internas que ou apontavam em direção à revolução na ordem ou à ruptura com ela.
[8]
Desde então, Lula e seu Partido dos Trabalhadores se dispuseram a conter as forças populares nos marcos estritos da institucionalidade contribuindo para o seu apaziguamento justamente no momento mais problemático da classe trabalhadora que enfrentava a reestruturação produtiva, o desemprego estrutural e a precarização do trabalho. Dessa maneira, e à revelia de sua expressiva militância mais combativa e da base social sobre a qual angariou importantes dividendos políticos, distanciou-se até mesmo do reformismo interrompido pela ditadura.
Da tríade inicial, a CUT, ainda nos anos de 1990, capitulou juntamente com o PT, abandonando a combatividade dos primeiros anos ao adotar o mesmo “sindicalismo de resultados” que tanto criticou na Força Sindical. O MST, que até pouco tempo, seguia em sua estratégia de ocupação de terras, abandona a luta de massas e perde o protagonismo que o tornou uma referência mundial de luta popular.
Desde os primeiros anos à frente da administração federal, o PT mapeia e controla as movimentações dos brasileiros pobres através do Cadastro Nacional e das políticas públicas de produção e consumo subsumidas ao sistema financeiro. O PT institucionalizou as reivindicações populares do período de transição democrático-burguesa e vem abastecendo as “minorias” com direitos de cidadania para os indivíduos negros, mulheres, homossexuais, indígenas, quilombolas. Mas, ao subtrair os direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de sua história de lutas, lhes nega a possibilidade de reconhecer o lugar social que ocupam na sociedade de classes. Por isso mesmo a intervenção política realizada por Lula e Dilma foi, por um bom tempo, aclamada pelos mais exigentes mentores do neoliberalismo em vigor como a mais eficiente forma de cumprir a exigência de despolitizar as massas e desregulamentar a legislação (em parte regulamentada pela Constituinte de 1988) impeditiva à aplicação deste receituário econômico num país periférico. Tal eficiência veio certamente do seu talento em fazer a mediação entre os interesses do grande capital transnacionalizado e a miséria resultante do padrão de acumulação imposto sobre a classe trabalhadora.
À frente do governo federal, o PT conduz programas de impulsão econômica, com destaque para os PAC’s (Programas de Aceleração do Crescimento)
[9], projeto que amplia enormemente o poder do capital financeiro, do agronegócio, da mineração, do setor energético e da construção civil. Com o neodesenvolvimentismo petista fortaleceu-se a monocultura, a produção de commodities – soja, cana-de-açúcar, pinus, laranja – e de bens manufaturados para exportação – ração animal, etanol, celulose, resina, suco. Atualiza-se o velho modelo agrícola baseado na grande unidade produtora e no desmatamento, racionalizado mediante larga utilização de tecnologias baseadas em máquinas, em sementes transgênicas auto-reprodutivas, no consumo campeão de insumos químicos e de veneno (um bilhão de litros por ano)
[10]. Sob o controle das grandes transnacionais do setor, o modelo hegemonizado pelo agronegócio adentra e domina o país gerindo e beneficiando-se do processo de desmonte da mal sedimentada indústria nacional, da reestruturação produtiva, do desemprego estrutural, do enfraquecimento das entidades sindicais, da incidência generalizada do trabalho informalizado e precarizado, sobretudo em sua modalidade análoga à escravidão
[11], da superexploração do trabalho infantil e feminino.
As burguesias internas e externas, fortemente afinadas, enriquecem loucamente à sombra do poder do Estado onde encontram facilidades inéditas para avançar sobre nossas terras, nossas florestas, nossos mananciais de água, nossas reservas minerais, sobre todos nossos recursos naturais e humanos com voracidade e apetites renovados.O avanço deste padrão de produção destrutiva no Brasil, a partir dos anos de 1990, vai impor uma lógica que, sem abrir mão dos velhos métodos violentos, amplia os mecanismos de apropriação das riquezas do país ao exigir que o Estado promova uma profunda desregulamentação das leis trabalhistas e de proteção ambiental.
[12]
É exatamente aí que o PT e o lulismo, desde 2002, atuam e se revelam indispensáveis para o capital, construindo uma ambientação politicamente propícia às desregulamentações exigidas pelo avanço da acumulação neoliberal. Vão desmontar toda a estrutura jurídica e institucional forjada pelo padrão desenvolvimentista das décadas anteriores. Veja-se, por exemplo, os impactos socioambientais causados pela Lei de Biossegurança, de 2005, pela “revisão” do Código Florestal e pelas investidas em curso sobre o Código da Mineração. Veja-se, ainda, a profunda reforma sindical e trabalhista que promove a partir de 2005.
[13]
O PT atende democraticamente às necessidades do capital destrutivo e, democraticamente, ataca cada uma das conquistas históricas da classe trabalhadora. O vazio é preenchido por uma ampla gama de políticas sociais com caráter efêmero, individualista e assistencial aos desterrados e desempregados precarizados que ajuda a criar. No comando do Estado, o petismo é o vetor político da miséria formadora de seus dependentes e dos placebos requeridos para sua reprodução. ·.
Pois bem, se os militares usaram a força bruta para calar a classe trabalhadora insurgente contra o capital, o PT no poder a silencia pela ilusão da ascensão social – a classe média beneficiária do Bolsa Família -, pelo constrangimento e pelo valor ideológico que atribui ao seu empobrecimento em amplo espectro. O neodesenvolvimentismo e suas políticas compensatórias, mais do que um arremedo neokeynesiano da pobreza, negam a existência da classe transformando-a numa horda de necessitados para os quais se renova a relação social baseada no favor colonial. Ou seja, o PT certamente será lembrado pelas gerações futuras por converter a miséria do trabalhador brasileiro em sua maior virtude.
II. Sinais de fumaça no ar
Um Brasil muito mais interessante vem recompondo uma onda rebelde bem diferente daquela que foi interrompida nos anos de 1967/68, e, ainda assim, com aporte na luta de classes. Esse Brasil vem sendo desenhado nas ruas, nos canteiros de obras, em pátios de fábricas, garagens de ônibus, por uma massa crescente de atingidos pelo capital. Uma massa exausta com os impactos duros e negativos que o capital em crise estrutural já vem lhe aplicando há, pelo menos, duas décadas e insatisfeita com os paliativos oferecidos pelo governo. Refiro-me àqueles que vêm se empenhando em lutas populares e contingentes, sem protagonismos, lutas que se abrem para o enfrentamento direto por absoluta necessidade histórica e por esgotamento das mediações burocratizadas pela democracia, o que envolve centrais sindicais, partidos políticos e movimentos sociais outrora progressistas.
Neste quadro, predomina o papel desempenhado pela atual explosão de greves deflagradas – das 446 greves, em 2010, saltou-se para mais de 900 em 2013, em alguns casos à revelia dos seus sindicatos pelegos - por trabalhadores dos setores públicos e privados, muitos dos quais terceirizados, precarizados. Ressalto ainda o belo movimento articulado pelos garis e professores da rede pública do Rio de Janeiro, pelos metroviários de São Paulo (neste caso, organizados por um sindicato combativo), por motoristas e cobradores em várias cidades brasileiras, pelos milhares de trabalhadores que frequentemente paralisam obras da magnitude das hidrelétricas de Belo Monte (PA) e de Jirau (RO), do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - COMPERJ, dos estádios construídos para o Mundial de 2014.
Particularmente interessante e necessário vem se revelando o Movimento Passe Livre em luta pelo “transporte gratuito de verdade” e pela mobilidade urbana. Somente nestes primeiros dias de 2015 já conseguiu realizar manifestações massivas pelo Brasil, com destaque para São Paulo com a presença de mais de 10 mil pessoas. Ressalto o papel dos movimentos de luta por moradia e ocupação contra as violentas remoções e os enormes gastos públicos para atender aos interesses das empresas envolvidas com a COPA da FIFA e com a especulação imobiliária, dentre os quais ganham relevo no último período o Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Articulação Nacional dos Comitês Populares da COPA (ANCOP). Ressalto também os movimentos de denúncia da violência policial sobre as populações pobres das periferias, com destaque para as Mães de Maio e o Tribunal Popular – o Estado no Banco dos Réus. A causa sobre a qual atuam é assustadora. Segundo relato da Anistia Internacional, o Brasil mata 82 jovens por dia: “Eles foram vítimas de 30 mil assassinatos em 2012; do total de mortes, 77% eram negros, o que denuncia um genocídio silenciado de jovens negros.” Além disso, entre os anos de 2004 e 2007 “matou-se mais no Brasil do que nas doze maiores zonas de guerra do mundo (...) quando192 mil brasileiros foram mortos, contra 170 mil espalhados em países como Iraque, Sudão e Afeganistão.”
Localizados por vezes fora das vistas e do controle do Estado, esses movimentos, mais ou menos conscientemente, podem desencadear, através da ação mobilizadora das ruas, um efetivo processo de politização das massas, o que há tempos as formas tradicionais, institucionalizadas, ao adotarem a linha de menor resistência, abandonaram. A princípio, atuam sem as mediações oferecidas e controladas pelo capital, e costumam remeter-se diretamente aos motes causais (econômicos) de seus infortúnios: salários, condições de trabalho, dos serviços de transporte, saúde, educação, moradia, são alguns dos seus alvos. Como já mencionamos, é preciso ressaltar a crise da água que vem atingindo, sobretudo a população de baixa renda das cidades médias e grandes da região sudeste, questão que vem provocando manifestações vigorosas contra o racionamento da água e os pesados tributos cobrados pelas prefeituras. Esse foi o caso da Revolta de Itu, cidade do interior do Estado de São Paulo.
Por mais fragmentados, pontuais e distanciados de um projeto societal alternativo, podem – por que não? - constituir um salto importante em relação às ações contidas no universo das regras institucionais, não porque prescindam delas absolutamente, mas porque as precedem. Caso emblemático dessa ofensiva é o da luta dos indígenas pela
autodemarcação de terras.
[14]
Em geral, não surgem como movimentos anticapitalistas, mas seu maior trunfo é que dessa maneira, pouco ortodoxa, vão desnudando os limites cada vez mais estreitos do capital que, na atual quadra histórica, não pode, nem quer atender às reivindicações mais elementares da classe, como seria de se esperar em épocas mais favoráveis. Por isso mesmo esses movimentos têm sido alvo de repressão policial ostensiva, de criminalização e seus manifestantes submetidos a condenações sumárias. Somente desse modo o Estado se dispõe a controlá-los. Comprova essa tendência o fato de que a população carcerária cresceu 400% nos últimos anos no país. Atualmente, o Brasil tem aproximadamente 574 mil pessoas presas constituindo a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil).
[15]
Pelo andar da carruagem, imagina-se que o agravamento social que certamente advirá do endurecimento da nova gestão em curso intensifique ainda mais a necessidade de ativos militarizados no país. Uma movimentação vem se verificando no Planalto neste sentido, pois até o final do ano, a presidente deve enviar ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para que a União divida com os estados a responsabilidade pelas políticas de segurança, que atualmente é uma atribuição dos estados da nação.
[16]
Essa é apenas uma das facetas que apontam para decadência ideológica do PT, um projeto que se revelou enganador das massas. Um projeto, cujo desfecho põe em prática aquilo que Florestan Fernandes preconizou em Notas sobre o fascismo na América Latina: “Na era atual, sob o capitalismo monopolista já se aprendeu ‘o que era útil sobre o fascismo’, os riscos que se devem evitar e como operar uma fascistização silenciosa e dissimulada, mas altamente ‘racional’ e ‘eficaz’, além de compatibilizável com a
democracia forte.”[17] Florestan teve a lucidez de perceber que o desenvolvimento das forças produtivas não corrige as imperfeições das relações de produção. Ao contrário, as agudiza. São as formas ampliadas e intensificadas de exploração sob o Imperialismo Total
[18], que irão demandar a combinação conceitual de desenvolvimento, democracia, fascistização, contrarrevolução. A lamentar ter sido o PT um dos protagonistas de mais esta tragédia da política na América Latina.
[3] O mais recente foi desferido ainda no último mês de 2014 contra o seguro desemprego, considerado pelo atual Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um dispositivo “ultrapassado”.
[4] O ecossistema não reage em partes, mas no todo.
[6] Ler a respeito o livro
Linhas de montagem de Antonio Luigi Negro. SP: Boitempo, 2004.
[7] Não são fortuitos os questionamentos formulados por Florestan Fernandes por ocasião do I Congresso do PT, realizado em 1990, reproduzidas na epígrafe deste artigo.
[8] Consultar Mauro Iasi.
As metamorfoses da consciência de classe. O PT entre a negação e o consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
[9] “Anunciado como uma guinada na política econômica, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi recebido por muitos – à esquerda e à direita – como uma negação da herança neoliberal e a volta do papel regulador do Estado na economia. Nada mais longe da realidade. As medidas anunciadas são apenas um pouco mais do mesmo. Seus fins e seus meios enquadram-se perfeitamente nos parâmetros do padrão de acumulação neoliberal-periférico, implantado por Collor de Mello, consolidado por FHC e reciclado e re-legitimado por Lula da Silva. Apresentada como tábua de salvação que lograria finalmente concretizar o prometido ‘espetáculo do crescimento’, a estratégia de aceleração do crescimento organiza-se em função de dois objetivos primordiais: enfrentar o estrangulamento na infraestrutura econômica nas áreas de energia, transporte e portos; e incentivar a iniciativa privada a sair da especulação financeira e realizar investimentos produtivos.” Plínio de Arruda Sampaio Jr. “Notas sobre o PAC – um passo atrás” (htpp://www.corecon-rj.org/artigo_plinio_seminario_pac.pdf).
[11] “Geograficamente, 57% dos casos de trabalho escravo identificados em 2014 estão nas regiões Norte e Nordeste, sendo 48% na Amazônia Legal de onde foram resgatados 512 trabalhadores, um número somente superado pela região Sudeste (594). (...). Fato novo (ou melhor: recorrente, porem ocultado até então): vem sendo reveladas práticas de trabalho escravo no interior do Acre e do Amazonas, mas também do Ceará, que se utilizam da forma mais tradicional de subordinação de comunidades tradicionais: o sistema do aviamento pelos patrões.”
http://www.cptnacional.org.br/index.php/noticias/trabalho-escravo/2401-combate-ao-trabalho-escravo-entre-luzes-e-sombras
[12] “O número de bilionários brasileiros elevou de 18 para 30, entre 2010 e 2011, ano em que a soma de suas fortunas chegou a US$ 131,3 bilhões. Elevou-se esse número de bilionários de 36 para 46 entre 2012 e 2013. Concomitantemente, a soma das suas fortunas, que atingia US$ 154,5 bilhões, em março 2012, elevou-se para US$ 189,3 bilhões um ano após. A variação anual dobrou de pouco mais de US$ 20 bilhões para quase US$ 40 bilhões.” Fernando Nogueira da Costa.
Medição da Riqueza Pessoal. Texto para discussão. Instituto de Economia. UNICAMP. Campinas, junho de 2013.
[13] Ver Exposição de Motivos da Reforma Sindical-Proposta de Emenda à Constituição – PEC 369/05, Anteprojeto de Lei, Ministério do Trabalho (2005). Apud “Os Sindicatos, os movimentos sociais e o governo Lula: cooptação e resistência” de Graça Druck.
[17] Em
Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971 (p. 33).
[18] Conceito amplamente desenvolvido por Florestan em seu livro
Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.