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Introdução
Nas últimas décadas, pudemos observar que o modo de produção capitalista sofreu inúmeras mudanças em seu “metabolismo social” a partir da reestruturação produtiva, que vem se processando com a implantação de novos modelos produtivos, novas formas de organização do trabalho e inovações técnico-científicas. O objetivo dessas mudanças, além de buscar conter as contradições sociais inerentes à “crise estrutural do capital” (MESZÁROS, 2002), que se manifestou no interior do sistema desde meados dos anos 1970, visa a garantir também novas bases de produção e reprodução econômica e novas formas de controle sobre o trabalho e sobre a natureza para repor o movimento incessante de expansão e acumulação do capital.
O fato preocupante dessas transformações é que além de gerar mais um padrão de acumulação capitalista, um novo processo de controle e domínio sobre a natureza também se instaura, ou seja, novas formas de capitalização dos recursos naturais e minerais necessários à reprodução do capital se impõem. Nesse sentido, a exploração intensiva e destrutiva da natureza pela ordem social do capital engendra não apenas uma forma degradante de existência social e econômica, mas também coloca em risco a permanência e reprodução da própria humanidade no planeta Terra.
No que se refere a essa problemática ambiental, que define atualmente a “crise ecológica”, enquanto comprometimento dos mecanismos e ciclos naturais que possibilitam a produção e reprodução da vida (inclusive a vida humana) na Terra (COGGIOLA, 2009), um conjunto de fenômenos, tais como – o crescimento exponencial da poluição do ar nas grandes cidades, da água potável e do meio ambiente em geral; o aquecimento global, a multiplicação das catástrofes naturais, a destruição das florestas tropicais, o desmatamento e a redução da biodiversidade pela extinção de milhares de espécies, etc; – podem ser considerados fatores que revelam o esgotamento do padrão civilizatório, instituído a partir da racionalidade econômica, característica da modernidade capitalista.
Portanto, a crise ecológica de profundidade estrutural que vivemos atualmente sob a égide da lógica permanentemente destrutiva do capital é reflexo da busca incessante pela maximização do lucro, isto é, resultado da própria forma de ser da produção e do mercado capitalista. Em outras palavras, os eventos e catástrofes naturais que se intensificaram nas últimas décadas decorrem de um desastre ecológico de proporções incalculáveis surgido na ordem do capital e que, por essa razão, constitui uma ameaça da destruição total dos fundamentos naturais da existência humana.
Como não poderia deixar de ser, nesse texto, busca-se compreender o modo de produção capitalista não apenas como formação social na qual os homens se reproduzem economicamente de forma determinada, mas também como formação social de dominação política e econômica. Nesse sentido, destaca-se que as formas de dominação política do capital são intrinsecamente ligadas à maneira pela qual o homem domina a natureza. É impossível dissociar a destruição ecológica da degradação das condições de vida dos proletários urbanos, rurais e de suas famílias. Isto quer dizer que, tão logo o capital instaura uma forma de dominação e exploração da natureza, certamente se desenvolverá uma forma de domínio e exploração da força de trabalho, colocada em movimento para a reprodução do capital.
Tendo em vista essas considerações mais gerais da lógica destrutiva do capital e de suas formas de dominação e exploração, o presente texto tem por objetivo discutir as principais contradições sociais e ambientais que esse modo de produção impõe à reprodução da sociedade e da natureza, na medida em que o desenvolvimento econômico, associado à sua lógica de expansão e acumulação, tem sido defendido, no Brasil, como a finalidade do progresso econômico e social. Assim, busca-se desvelar tais contradições e os limites ambientais de tal desenvolvimento capitalista a partir da análise de um determinado setor produtivo que vem sendo apresentado como modelo sustentável do desenvolvimento econômico capitalista.
Trata-se, evidentemente, do agronegócio canavieiro que, nos últimos anos (2001-2008), vem se expandindo, sobretudo na região Centro-Sul do Brasil, em decorrência de algumas razões conjunturais e estratégicas referentes ao setor. Dentre elas destacam-se: 1) o crescente aumento do comércio de açúcar e álcool no mercado interno e externo; 2) crise e elevação do preço do barril de petróleo no mercado internacional, bem como sua escassez e alto nível de poluição (emissão de CO2 na atmosfera); 3) aumento da demanda interna por álcool hidratado, devido ao aparecimento dos novos modelos de carros flex-fuel (bicombustível); 4) devido às alterações climáticas e ao aquecimento global provocado pela intensa emissão de CO2, o protocolo de Kyoto defende a redução da emissão de gás carbônico, o que tem contribuído para gerar uma demanda internacional por álcool anidro de outros países da Europa, Ásia e América.
Com isso, parece que a retomada de crescimento do setor sucroalcooleiro surgiu como uma alternativa energética ao petróleo, isto é, uma “alternativa” de desenvolvimento limpo e sustentável. É o que se pode analisar a partir da posição ideológica e apologética de diversos setores sociais que defendem o modelo de agronegócio brasileiro, como modelo de desenvolvimento a ser estendido a todo o país. No entanto, o que se verifica é exatamente o contrário, pois atrás das cortinas do presente cenário revelam-se algumas mazelas sociais e ambientais que degradam não apenas a vida de milhares de trabalhadores (migrantes) canavieiros e comunidades rurais, mas também o meio ambiente e diversos ecossistemas, que correm o risco de desaparecerem devido à expansão dos canaviais.
Contradições sociais do desenvolvimento econômico na lógica do capital
No alvorecer do século XXI, a realidade social regida pela ordem do capital encontra-se, indelevelmente, marcada pelo paradoxo e pela contradição. O que parece intensificar-se a cada dia, na medida em que o avanço das forças produtivas, geradas pela aplicação tecnológica da ciência e pela ideologia do progresso produz, inevitavelmente, um conjunto de contradições sociais que se evidenciam por meio da ampliação da desigualdade social, da pobreza, concentração fundiária, alta concentração de renda, subdesenvolvimento e degradação ambiental.
Tais contradições reveladas por essa problemática manifestam-se no fato de que tanto o progresso quanto o desenvolvimento econômico se constituem em mitos construídos no interior da sociedade capitalista, pois já não traduzem mais o bem-estar social outrora possível – apenas para uma parte da população dos países centrais – durante a “Era de Ouro” do Capitalismo (HOBSBAWM, 1995).
Celso Furtado enfatizava – nos anos 1960 – a característica mítica do desenvolvimento econômico. Mas desmistificava a falácia e os equívocos de muitos economistas (teóricos do crescimento econômico) ao não perceberem as suas conseqüências, quanto ao crescimento desordenado das grandes metrópoles com seu ar irrespirável, a crescente desigualdade social e intensa degradação ambiental (FURTADO, 1981).
Assim, o autor assinalava que o desenvolvimento econômico como processo civilizatório do capitalismo era intrinsecamente predatório e que a sociedade burguesa, orientada para a criação de valor econômico (valor de troca), provocava necessariamente a degradação da natureza e do meio físico. Dessa forma, pode-se verificar que Celso Furtado revelou a lógica destrutiva e excludente na qual se funda a sociedade regida pelo capital ao afirmar que é impossível a generalização dos mesmos padrões de consumo para o conjunto do sistema capitalista, tal como os que são praticados nos países ditos desenvolvidos. Se isso fosse possível,
(...) o custo, em termos de depredação e degradação do mundo físico, desse estilo de vida, é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoralmente ao colapso de toda a civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana. Temos assim a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a idéia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável (FURTADO, 1981, p.75).
Disso decorrem duas questões relevantes para os objetivos aqui perseguidos: qual o significado do subdesenvolvimento nesse contexto? E quais os impactos da lógica da produção capitalista sobre a natureza e o meio ambiente?
A propósito do subdesenvolvimento, pode-se afirmar que se trata de um estado produzido pela DIT (Divisão Internacional do Trabalho) em que se estrutura uma relação de dependência dos países periféricos em relação ao processo de acumulação global do capital. Ou seja, ele é resultado de um processo de exploração e espoliação que rompe os mecanismos ecológicos e culturais de uma nação (LEFF, 2000). Em outras palavras, significa que a deterioração ambiental, a devastação dos recursos naturais e seus efeitos nos problemas ambientais globais são, em grande parte, consequências dos padrões de industrialização, centralização econômica, concentração urbana e capitalização da natureza, impostos pela racionalidade econômica do capital. Isto é, ao maximizar excedentes e benefícios econômicos em curto prazo ela impõe sobre a questão social e a sustentabilidade ecológica um amplo processo de desestruturação dos ecossistemas produtivos e das culturas dos povos dos países periféricos (LEFF, 2000).
O caso do desenvolvimento capitalista no Brasil e sua posição no interior do sistema, subordinada historicamente aos países centrais, apresentam algumas particularidades e especificidades. Segundo Francisco de Oliveira (2006), o subdesenvolvimento do Brasil não se funda apenas na oposição entre o “atrasado” e o “moderno”. Ao contrário, “o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’” (2006, p.33). Isto é, o subdesenvolvimento é precisamente uma produção da expansão capitalista, conforme sua necessidade de reprodução ampliada.
Na mesma esteira de Oliveira (2006), Giovanni Arrighi, a partir de uma reconceituação sobre a estratificação da economia mundial, auxilia-nos a definir qual seria o lugar do Brasil no contexto da divisão internacional do trabalho.
Considerado como um país emergente, na nova definição desse autor, o Brasil faria parte do que ele denomina de semiperiferia, ou seja, posição que envolve a combinação mais ou menos igual de atividades de núcleo orgânico e atividades periféricas. Isto é, “Estados com essas características teriam o poder de resistir à periferização, mas não teriam poder suficiente para superá-la completamente e passar a fazer parte do núcleo orgânico do capital” (ARRIGHI, 1997, p.140). Afinal, as relações entre os países centrais, ditos desenvolvidos, e os países periféricos, ditos subdesenvolvidos, são relações determinadas não por combinações específicas de atividades, mas pela posição que ocupam no interior da divisão mundial do trabalho. Daí o desenvolvimento ser uma ilusão, pois, conforme Arrighi, a riqueza dos Estados do núcleo orgânico “não pode ser generalizada porque se baseia em processos relacionais de exploração e processos relacionais de exclusão que pressupõem a reprodução contínua da pobreza da maioria da população mundial” (1997, p.217).
Por essa razão, o traço essencial da economia capitalista mundial é a desigualdade, ou seja, a inserção de países periféricos é sempre subordinada às tendências excluídoras e exploradoras, através das quais os países centrais se reproduzem como núcleo orgânico do sistema.
Entretanto, o subdesenvolvimento, de acordo com essa ótica, não se inscreve numa cadeia evolutiva que vai do mais simples ao mais complexo, isto é, não se sucede por meio de estágios e etapas ao pleno desenvolvimento. Conforme Francisco de Oliveira, como singularidade, o “subdesenvolvimento não era, exatamente, uma evolução truncada, mas uma produção da dependência pela conjunção de lugar na divisão internacional do trabalho capitalista e articulação dos interesses internos” (OLIVEIRA, 2006, p.127). Por isso, o subdesenvolvimento é a forma da exceção permanente do sistema.
Cabe assinalar ainda, que a desigualdade decorrente dessa “produção da dependência” como condição inerente da expansão capitalista também se reproduz no interior dos países que buscam o desenvolvimento econômico. No caso brasileiro, Oliveira (2006) destacou que a industrialização do país, desde o início visou a atender às necessidades da acumulação, jamais às do consumo, o que certamente já implicava na produção da desigualdade. Nesse caso, assistiu-se a singularidade histórica do tipo de desenvolvimento capitalista no Brasil, a partir do qual se erigiu um “pacto estrutural” que preservou modos de acumulação distintos entre os setores da economia, mantendo as condições de reprodução das atividades agrícolas, não excluindo as classes proprietárias rurais da estrutura de poder nem dos ganhos da expansão do sistema, e desenvolvendo, ainda que tardiamente, o processo dependente de industrialização (2006, p.65).
Diante disso, pode-se afirmar que a expansão capitalista no Brasil se dá de acordo com a expansão do modo de acumulação global do capital. Todavia, ela é caracterizada por alguns traços que lhes são intrínsecos, pois conforme as condições concretas de realização da acumulação, a expansão capitalista no Brasil caminha inexoravelmente para uma concentração da renda, da propriedade e do poder (OLIVEIRA, 2006). A originalidade desse processo que criou o que Francisco de Oliveira denominou de “Ornitorrinco” consiste, segundo o autor, numa expansão que se desenvolve,
(...) introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação urbano-industrial e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo (2006, p.60).
Ora, não seria essa a lógica da atual expansão da agroindústria canavieira, ao combinar amplo desenvolvimento tecnológico e científico com degradação social do trabalho e destruição ambiental? A colheita mecânica da cana-de-açúcar, associada à superexploração do corte manual realizado por trabalhadores migrantes, submetidos às condições degradantes de trabalho análogas ao escravo, não seriam exemplos dessa contradição do desenvolvimento econômico?
Antes de passar à análise sobre a realidade contraditória do setor sucroalcooleiro e suas mazelas sociais e ambientais, cabe enfatizar que o crescimento econômico, histericamente defendido pelos mais acríticos apologetas do sistema, induz à ampliação dos impactos ambientais e dos conflitos ecológicos distributivos. O exemplo mais evidente da expansão descontrolada do capital é a agricultura contemporânea. Segundo Gilberto Dupas (2008), apesar de seus altos níveis de produtividade, a agricultura contemporânea
(...) caracteriza-se por baixa eficiência energética, grande erosão genética e das áreas de cultivo e contaminação do solo e da água, gerando riscos imprevisíveis para o ambiente e a saúde. A degradação ambiental é decorrente das técnicas de produção contemporâneas e da direção dos vetores tecnológicos que sustentam a atual lógica do capital (DUPAS, 2008, p. 8).
Portanto, trata-se de uma lógica de desenvolvimento econômico e de produção da existência material humana essencialmente destrutiva, o que significa dizer, em outras palavras, que o futuro da humanidade encontra-se ameaçado se o domínio do capital sobre a natureza e sobre o homem permanecer. Para evidenciar a tragédia de tal ameaça, irreversível, num plano mais geral da destruição natural destaca-se que: 12% de todas as espécies de aves, 23% dos mamíferos, 25% das coníferas e 32% dos anfíbios estão ameaçados de extinção; 60% dos serviços vitais que os ecossistemas fornecem à humanidade são explorados de maneira não sustentável ou já estão degradados. O petróleo, mantido o atual nível de demanda, caminha para a escassez. Ar, água, solo e, em conseqüência, agricultura e alimentos estão contaminados por moléculas químicas inéditas, suscetíveis de induzir ao câncer, à má-formação e à esterilidade (DUPAS, 2008).
Com isso, verifica-se que o atual estágio no qual se encontra o avançado processo de destruição e degradação da natureza é imposto pela lógica do crescimento econômico. Assim, num plano mais específico – o caso do setor sucroalcooleiro – em que se desenvolve a recente expansão da agroindústria canavieira, verificam-se alguns impactos gerados pelo contraditório movimento de expansão e acumulação capitalista. Isso pode ser observado na relação entre a produção energética a partir da cana, a concentração latifundiária e a degradação ambiental. Por exemplo, o aproveitamento da biomassa da cana como forma de geração de energia alternativa e o uso do etanol como combustível podem provocar inúmeros problemas ambientais, dentre os quais, destaca-se que: para substituir apenas 10% do consumo mundial de gasolina por etanol seria necessário o uso adicional de vinte milhões de hectares a mais plantados de cana-de-açucar, o que agravaria de modo significativo a tensão inexorável entre crescimento econômico e meio ambiente gerando, de um lado, uma maior concentração latifundiária e, por outro, a intensificação da monocultura extensiva da cana em detrimento do desaparecimento de biomas ou mesmo da substituição de outras culturas produtivas, variadas e diversas (DUPAS, 2008, p.16), sem falar, portanto, na superexploração de milhares de trabalhadores e trabalhadoras no corte da cana.
Limites ambientais e produção destrutiva: o caso da expansão agroindustrial canavieira
Durante muito tempo se defendeu no Brasil a idéia de que a economia nacional, baseada no latifúndio e no monocultivo da produção agrícola, era sinônimo de um atraso característico de países do chamado Terceiro Mundo, subdesenvolvidos. No entanto, recentemente, o presidente da República afirmou que os usineiros – cuja riqueza nasce justamente da grande propriedade e da exploração do trabalho na monocultura canavieira – “podem ser considerados os
heróis nacionais”, pois seriam os verdadeiros representantes do que há de mais moderno no agronegócio mundial
[1].
Nessa perspectiva e diante do quadro recente de expansão da agroindústria canavieira percebe-se um conjunto de estratégias que vem sendo desenvolvido tanto pelo setor privado, ligado ao agronegócio, quanto pelo Estado que, por meio do BNDES atua como principal credor da expansão canavieira e dos novos projetos industriais de usinas e destilarias. Assim, para aumentar a oferta de álcool, uma vez que este vem despertando o interesse de outros países, como EUA, Alemanha e Japão, um conjunto de medidas está sendo elaborado pelo setor sucroalcooleiro, como: novas variedades de cana geneticamente modificadas; expansão da área agrícola; e inovações na linha de produção das usinas.
Portanto, para viabilizar as estratégias que vem sendo adotadas pelo setor cujo interesse é atender prioritariamente as demandas internacionais está prevista até 2010 a construção e inauguração de novas unidades produtivas, de novas usinas de açúcar e álcool em algumas áreas no Brasil que estão no centro da expansão da cultura canavieira. São elas: Araçatuba, no Estado de São Paulo, a região do Triângulo Mineiro e os Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (principalmente as regiões de Cerrado).
Dessa forma, o que se verifica em relação aos interesses econômicos de ampliação do setor por meio da expansão e ocupação de terras para a cultura canavieira, e da capacidade produtiva, é um risco anunciado de degradação ambiental em algumas regiões, especialmente a região Centro-Oeste, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, onde se localizam biomas com prioridade de preservação: trata-se do Cerrado e do Pantanal brasileiros
[2].
Não obstante o cenário econômico ser de grande vantagem para a recente expansão da agroindústria canavieira, em que pese o fato de que o Brasil reúne boas condições tecnológicas, territoriais, climáticas, econômicas e naturais para a produção extensiva de cana, não se pode afirmar que a panacéia dos agrocombustíveis, notadamente a cana-de-açúcar, seja sinônimo de modernidade ou modelo de desenvolvimento econômico e sustentável. Pois, como já se afirmou anteriormente a agroindústria canavieira reproduz em escala ampliada, as contradições, mazelas e consequências inerentes à lógica de expansão e acumulação do capital – que intensificam a nossa “vocação agrícola” –, geralmente ocultadas por representantes, ideólogos e empresários do setor.
Assim, por um lado, o álcool é considerado uma alternativa, um combustível vegetal, renovável e limpo, que pode ser obtido a partir da energia solar por meio da fotossíntese das plantas. Por outro, as condições nas quais sua produção se desenvolve são a expressão de um modelo essencialmente destrutivo, exploratório e amplamente marcado pela degradação não só da paisagem ambiental, transformada pelo “verde monocromático” da cana-de-açúcar, mas também da situação social de milhares de trabalhadores canavieiros e operários metalúrgicos que atuam na cadeia produtiva do referido setor.
No que se referem à questão ambiental, alguns fatores são apontados como conseqüências nefastas desse modelo de desenvolvimento econômico fundado na expansão da agroindústria canavieira. Dentre eles, destacam-se: a) a poluição dos recursos hídricos com agrotóxicos e resíduos (vinhaça) derivados do processo produtivo e que são utilizados como fertilizantes, mas que em intensa concentração no solo podem atingir os lençóis freáticos, contaminando mananciais de água subterrânea, como é o risco que corre a região de Ribeirão Preto-SP, local de recarga do Aqüífero Guarani; b) poluição do ar com a emissão de partículas de CO
2 e ozônio, que em grande concentração a uma baixa altitude na atmosfera pode causar danos à saúde humana
[3]; c) e, por fim, o fato de que, além de causar a substituição de culturas produtivas, a expansão da cana pode provocar a redução das áreas de preservação, com redução das áreas de mata nativa.
[4]
Ademais, uma decorrência da atual expansão da cana-de-açúcar para as áreas onde sua produção se desenvolve é a intensificação de alguns problemas ambientais, como a periódica destruição e degradação de ecossistemas inteiros, por meio da prática habitual das queimadas. Segundo Tamás Szmrecsányi,
(...) as queimadas provocam periodicamente a destruição e degradação de ecossistemas inteiros, tanto dentro como junto às lavouras canavieiras, além de dar origem a uma intensa poluição atmosférica, prejudicial à saúde, e que afeta não apenas as áreas rurais adjacentes, mas também os centros urbanos mais próximos (SZMRECSÁNYI, 1994, p.73).
Cabe assinalar ainda, que, além de sua ação biocida em relação à fauna, à flora e aos microorganismos, as queimadas provocam um aumento da temperatura do solo, bem como a perda considerável de seus nutrientes, demonstrando, portanto, os limites ambientais dessa prática agrícola amplamente destrutiva.
No que tange a emissão de CO2 causada pelas queimadas, muitos defendem que o próprio desenvolvimento e crescimento do canavial ameniza essa emissão, visto que a cana é consumidora de CO2 e geradora de O2, porque realiza a fotossíntese. No entanto, não se pode dizer o mesmo em relação ao Ozônio (O3), um gás poluente que também é formado a partir de reações fotoquímicas e que, além de não dispersar facilmente, em grande concentração na atmosfera prejudica o crescimento das plantas e o sistema respiratório dos seres vivos em geral (SZMRECSÁNYI, 1994).
Portanto, não são poucos os prejuízos e danos ambientais que compõem a produção agroindustrial canavieira. Além da poluição provocada pela queima da cana antes do corte, a queima do bagaço para a geração de energia durante o processo de fabricação do açúcar e etanol gera o material particulado (MP), isto é, monóxido e dióxido de carbono e óxido nitrogênio, toxinas residuais de cinzas, fuligens e outros materiais que são inalados tanto pelos trabalhadores canavieiros durante o corte manual da cana, quanto pelos moradores das áreas urbanas, cercadas pelo
“mar de cana”. A respiração dessas toxinas, ao penetrarem nos pulmões gera uma diminuição da capacidade respiratória
[5] (SILVA, 2008, p. 12).
Os prejuízos para a natureza não cessam diante da expansão canavieira. No que se refere à fauna e à flora, as queimadas provocam a morte de várias espécies de animais, como cobras, tatus, lagartos, capivaras, lobos, seriemas, onças, dentre outros que habitam essas áreas ou que se encontra em extinção. As reservas e florestas também são afetadas, na medida em que até mesmo as matas ciliares são destruídas para o plantio de cana, havendo, portanto, o desrespeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs) (SILVA, 2008). Assim, pode-se observar que a contradição entre capital e natureza se manifesta tão logo as mazelas sociais e ambientais começam a aparecer a partir do momento em que as cortinas que escondiam a poluição, morte e sangue dos canaviais foram erguidas.
Condições de vida e trabalho degradante nos canaviais
As análises feitas acerca das conseqüências da produção agroindustrial desconstroem os mitos tanto do desenvolvimento quanto da sustentabilidade da produção de etanol, pois a forma de produção e colheita da cana, associada ao impulso incessante de expandir e acumular capital causa danos não apenas ao meio ambiente, mas também afeta a saúde e vida dos milhares de trabalhadores que atuam no setor, sobretudo aqueles que trabalham com a colheita manual da cana.
É o que podemos constatar com o caso dos trabalhadores canavieiros que realizam a colheita manual da cana-de-açúcar. Submetidos a uma jornada de trabalho extenuante de 12 a 14 horas de trabalho, os cortadores de cana, especialmente os migrantes, trabalhadores temporários que se deslocam de suas terras de origem, principalmente da região nordeste do Brasil, para trabalhar no corte da cana das usinas de açúcar e álcool do interior do Estado de São Paulo, sobretudo na região de Ribeirão Preto-SP, são obrigados a cortar diariamente uma média de 10 a 12 toneladas de cana, o que os levam a um esforço extenuante, podendo colocar em risco sua própria vida.
Essa situação imposta a milhares de trabalhadores migrantes de algumas regiões do nordeste brasileiro, que deixam suas famílias em seus lugares de origem para trabalhar em diversas culturas do agronegócio, especialmente a da cana, é degradante em virtude das condições de trabalho e vida a que estão submetidos.
A migração desses trabalhadores (homens jovens) é forçada pelo objetivo de ganhar dinheiro para sustentar suas famílias, que ficaram distantes. As razões que explicam sua migração são inúmeras, porém, destaca-se que um dos fatores decisivos se deve à expulsão desses trabalhadores, quando as condições de reprodução social e econômica em seus locais de origem encontram-se comprometidas. Nesse sentido, Francisco Alves, assinala que no Maranhão e no Piauí o processo de expulsão é ocasionado pela “impossibilidade de os trabalhadores conseguirem boas terras para o plantio de subsistência e pela impossibilidade de acesso a outras formas de renda, por meio da venda de sua força de trabalho” (ALVES, 2007, p. 47). Em outras palavras, o que leva esses trabalhadores a deixarem suas terras de origem e se submeterem a uma viagem difícil, a um trabalho penoso e degradante, deixando suas famílias (mulheres e filhos) é a falta de trabalho.
Assim, ao chegar em São Paulo, lugar de destino de parte dos migrantes que vem para o corte da cana, sua situação, nas usinas e fazendas paulistas, é de sujeição por dívida e de imobilização, coerção física e moral, além das exigências em torno da alta produtividade. Aliás, no que tange às condições de trabalho, é preciso destacar seus efeitos deletérios sobre o trabalhador que, conforme denúncias feitas tanto pela Pastoral do Migrante de Guariba-SP, quanto pelo Ministério Público do Trabalho, revelam uma superexploração do trabalho, que no período de 2004 até 2007 gerou 23 mortes registradas pela Pastoral do Migrante.
Tais mortes foram supostamente provocadas pelo excesso de esforço, isto é, uma verdadeira “overdose de trabalho”, denominada birola pelos trabalhadores. Assim,
Além das condições alimentares insuficientes – causadas pelos baixos salários, do calor excessivo, do elevado consumo de energia, em virtude de ser um trabalho extremamente extenuante –, a imposição da média, ou seja, da quantidade diária de cana cortada, cada vez mais crescente, tem sido o definidor do aumento da produtividade do trabalho, principalmente a partir da década de 1990, quando as máquinas colhedeiras de cana passaram a ser empregadas em número crescente (SILVA, 2006, p. 15).
As condições de trabalho e produção, além de provocarem mortes devido ao excesso de esforço no desempenho do trabalho, provocam também o adoecimento de muitos trabalhadores que são acometidos por LER/DORTS (Lesões por Esforços Repetitivos e Doenças Osteomusculares), câncer provocado pelo uso de veneno, doenças respiratórias alérgicas provocadas pela fuligem da cana que, aliadas a inexistência de recursos financeiros, conduzem o sujeito a uma morte física e social (SILVA, 2006), já que, lesionado e acometido por alguma doença, pode ser excluído do mercado de trabalho ao ficar inapto a qualquer outra atividade que lhe garanta condições mínimas de sobrevivência.
Mas qual seria a natureza do processo de trabalho no corte manual da cana que tem provocado esses efeitos deletérios sobre os trabalhadores?
Segundo algumas pesquisas (ALVES, 2007; NOVAES, 2007; SILVA, 2008), há a hipótese de que um dos fatores determinantes desses efeitos deletérios produzidos pelo corte da cana sobre a vida e corpo do trabalhador é a forma de pagamento por produção, que aliada às condições degradantes de trabalho e às novas exigências de produtividades das usinas tem provocado mortes, mutilação e degradação do trabalhador canavieiro.
Pode-se dizer, com isso, que a imposição do pagamento por produção implica em maior controle sobre o tempo de trabalho do cortador de cana e maior disciplina de seu corpo para uma atividade que se exige, em função de uma tendência da mecanização, uma maior produtividade. De acordo com E.P.Thompson, significa usar e gastar o tempo da força de trabalho e cuidar para que não seja desperdiçado (THOMPSON, 1998). É o que se pode verificar quando analisamos, especificamente, o próprio processo de trabalho de corte manual da cana. Este, segundo Alves (2007), consiste num processo que não se limita ao exercício da atividade de cortar cana, retirá-la do chão, usando um instrumento de corte, o facão ou podão. O trabalho no corte de cana envolve, além da atividade do corte de base, um conjunto de outras atividades, isto é, limpeza da cana, transporte e arrumação da cana, que não são remuneradas (ALVES, 2007, p. 31).
Essas atividades interferem, portanto, no próprio rendimento e capacidade de produção do trabalhador, pois são essas novas exigências das usinas que aumentam e intensificam o ritmo de trabalho, o que significa um maior dispêndio de força física, que se não reposta de maneira adequada, poderá acarretar perda de capacidade do trabalho, comprometimento da saúde do trabalhador, ou até mesmo podendo levar a morte, por exaustão física.
É evidente, portanto, que o aumento da produtividade
[6] do corte da cana nos últimos anos pode ser levantado como um dos fatores responsáveis por essa superexploração do trabalho que tem provocado morte e adoecimento. Para se ter uma idéia da expansão da produção canavieira nos últimos anos, na década de 1980, a média (produtividade) exigida pelas usinas era de 5 a 8 toneladas de cana cortada por dia; em 1990 aumentou para 8 a 9; de 2000 a 2004 foi para 10 toneladas; e a partir de 2004 passou de 10 a 12 e 15 toneladas de cana cortada por dia (ALVES, 2008; SILVA, 2008). Não é por acaso que muitos trabalhadores reclamam de dores e câimbras no corpo, pois são obrigados a cumprirem a média de 10 ou 12 tonelas/dia, o que se torna condicional para a sua contratação na próxima safra, já que ficam na mira dos fiscais da usina.
Assim, diante dessas condições de trabalho que, além de colocar em risco a integridade física dos trabalhadores visto que estão submetidos aos acidentes típicos como mutilações e ferimentos causados por corte de facão e podão (BOAS; DIAS, 2009), eles também estão suscetíveis à hipertermia, que pode surgir em um cortador de cana, pois ele faz um exercício intenso e prolongado exposto às baixas umidades, altas temperaturas, sem adequada hidratação, péssima transpiração por conta das vestimentas pesadas. A situação ainda é agravada pelo estímulo ocasionado pelo pagamento por produção de cana cortada por dia. Segundo, um grupo de pesquisadores (LAAT; VILELA; NUNES DA SILVA; LUZ, 2009) com o desgaste físico dos cortadores de cana e os impactos dessas condições de trabalho: surgem inicialmente sede, fadiga e câimbras intensas, na sequência o mecanismo termorregulador corporal começa a entrar em falência e surgem sinais como náuseas, vômitos, irritabilidade, confusão mental, falta de coordenação motora, delírio e desmaio.
É dessa perspectiva de adoecimento e degradação social do trabalhador que se pode olhar o desenvolvimento econômico, notadamente o setor sucroalcooleiro, defendido como modelo limpo e sustentável. Podemos verificar a situação de milhares de trabalhadores submetidos ao “moinho satânico” (POLANYI, 1980) do capital, que reduz seu tempo de vida útil no corte de cana abaixo dos escravos que atuavam no mesmo setor no final do século XIX, de 15 anos para 12 anos (BOAS; DIAS, 2009). Com um piso salarial de R$ 410,00 e cortando uma média de 10 tonelas, o salário de um cortador de cana hoje pode chegar a R$ 800,00 reais, mas quando perde o emprego por não atingir a meta de produtividade exigida pelas usinas, lhe resta integrar as fileiras de trabalhadores itinerantes. Como não tem dinheiro para voltar para sua casa e família, reintegra o ciclo vicioso do capital, de exploração do trabalho temporário e precário.
A propósito dessa realidade, pode-se constatar uma nova realidade para o trabalho na sociedade contemporâneo. Trata-se de uma “nova morfologia do trabalho” (ANTUNES, 2005) que é resultado de um amplo processo de transformação do metabolismo social do capital (MÉSZÁROS, 2002) que fragmentou, diversificou e complexificou a classe trabalhadora, tornando-a mais qualificada em vários setores, como na siderurgia, e mais desqualificada e precarizada em outros, como na indústria automobilística (ANTUNES, 2005).
Essa nova morfologia do trabalho apresenta, portanto, um caráter multifacetado, pois compreende o conjunto de seres que vivem da venda de sua força de trabalho, porém na forma que Vasapollo (2005) denomina de “trabalho atípico”, que se caracteriza pela perda dos direitos e garantias sociais, pela precarização das condições de trabalho, pela incerteza, pela descentralização produtiva e pela flexibilização das relações de trabalho e de produção. Na medida em que tal processo se intensifica, ampliam-se também os ritmos e os encargos dos trabalhadores, mas sem o incremento de salários reais ou redução da jornada de trabalho (VASAPOLLO, 2005).
No que concerne ao tema desse artigo, que tem como objeto a agroindústria canavieira do Estado de São Paulo, especialmente a região de Ribeirão Preto-SP, alguns autores já destacaram os efeitos deletérios dessa contradição no setor (ALESSI; NAVARRO, 1997; VEIGA FILHO, 1994; SILVA, 2004), que combina ampla aplicação tecnológica da ciência aos processos produtivos com a superexploração do trabalho no corte da cana.
A propósito do processo de modernização e reestruturação da agroindústria canavieira alguns pesquisadores (VEIGA FILHO, 1994; SCOPINHO; EID; FREITAS VIAN; P, SILVA, 1999;) demonstram que ele atinge as várias fases do processo produtivo, desde a preparação do solo, plantio, colheita e transporte da cana até a área industrial da usina, onde ela será processada (SILVA, 2004). Contudo, essa reorganização do capital agroindustrial tem provocado impactos profundos sobre os trabalhadores da cadeia produtiva. Porque, além de haver o desemprego em massa decorrente da incorporação das máquinas à colheita da cana, que substituiu cinqüenta mil trabalhadores conforme as pesquisas de Maria Ap. Moraes Silva (2004), desenvolvem-se também algumas forças antagônicas que impõem ao trabalho: exclusão de boa parte dos trabalhadores (MARTINS, 2002); superexploração da força de trabalho, aliada ao processo despótico de seu controle; acumulação primitiva através da tomada de terras para novas plantações de cana; utilização das diversas áreas da ciência, como a química, biologia, física, mecânica, além da informática e das modernas formas de gestão e organização produtiva do trabalho (SILVA, 2004).
Com isso, institui-se no interior da nova lógica de acumulação e expansão da agroindústria, apesar das defesas apologéticas do setor em nome do desenvolvimento econômico, o que Silva (2004) denominou de a “precariedade dos precários”, pois no processo de proletarização dos trabalhadores canavieiros eles já nascem precarizados, na condição de trabalhador volante, contingente, eventual e inconsistente que sequer foram beneficiados pela legislação trabalhista. Portanto, é nesse contexto de extrema vulnerabilidade social e econômica para os trabalhadores migrantes do corte da cana que se desenvolve a recente expansão do capital agroindustrial canavieiro.
Assim, diante dessa problemática que envolve tanto as perspectivas de expansão da produção sucroalcooleira como alternativa energética ao petróleo a partir do álcool como bicombustível renovável, quanto às condições precárias de trabalho em que se dá tal produção, é possível afirmar que há uma contradição fundamental não apenas entre capital e trabalho, mas também entre capital e natureza. Considerando os limites desse artigo e as perspectivas de desenvolvimento e apologia que vem sendo adotadas por setores ligados diretamente ao agronegócio, o que se tentou desvelar aqui foi exatamente os efeitos de uma produção e de uma expansão que já traz em seu seio uma lógica destrutiva da natureza e de degradação social do trabalho.
Considerações Finais
Portanto, dentre as inúmeras possibilidades que o presente texto oferece, buscou-se debater – a partir da crítica ao agronegócio canavieiro no Brasil – os limites sociais e ambientais inerentes à lógica do desenvolvimento econômico capitalista. Apresentando alguns aspectos e contradições da produção agroindustrial canavieira, revelou-se a situação na qual o meio ambiente corre sérios riscos de degradação e o trabalhador explorado, sofre para garantir a reprodução ampliada, acumulação e expansão do capital.
Isso significa dizer que a racionalidade da lógica (irracional) da expansão capitalista não pode mais se reproduzir sob a pena de pôr em xeque a própria existência da humanidade no planeta Terra, pois os processos econômicos e tecnológicos submetidos à lógica do mercado esgotaram-se, na medida em que deflagraram uma crise estrutural e ambiental sem precedentes na história. Dessa forma, segundo Leff (2000) surge a necessidade de introduzir novos princípios valorativos e forças materiais para reorientar o processo de desenvolvimento humano. Logo, é nessa perspectiva que ganha lugar de destaque a necessidade de se construir uma “nova ordem ecológica” (FERRY, 1994) e as perspectivas da transformação social.
Desta feita, ao apresentar os entraves da recente dinâmica do setor sucroalcooleiro e sua expansão destrutiva, o presente texto buscou assinalar os limites da racionalidade econômica que permeiam a lógica do capital na sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, verificou-se que além de fazer valer sua força no que se refere ao próprio desenvolvimento tecnológico e produtivo, o complexo agroindustrial valoriza aspectos econômicos, como a idéia do etanol ser um possível substituto alternativo ao petróleo em detrimento do meio ambiente e das condições de vida e trabalho dos cortadores de cana no interior de sua expansão. Assim ocultam-se as consequências de uma produção baseada fundamentalmente na concentração latifundiária, monocultura extensiva da cana, destruição de ecossistemas e o esgotamento de recursos naturais fundamentais à reprodução da vida humana. Por essa razão, o posicionamento crítico deste artigo objetivou não apenas revelar tais contradições, mas propor alguns questionamentos acerca da lógica econômica essencialmente destrutiva do capital. O que exige a necessidade de se adotar uma perspectiva transformadora com a finalidade de construir uma nova racionalidade (ambiental) que paute seu desenvolvimento (sustentável) num novo conjunto de valores e práticas e numa nova concepção de homem, de sociedade e de natureza.
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[1] Ver reportagem de Chico Góis em
O Globo, 20/03/2007.
[2] A esse respeito vale assinalar, conforme Fuser (2007), que o Cerrado mantinha, em 1985, cerca de 75% de sua vegetação original, mas nas duas décadas seguintes o avanço do agronegócio provocou uma devastação implacável, a tal ponto que, em 2004, restavam apenas 43%. Essa lógica é tão perversa que num primeiro momento ela foi marcada por forte concentração da propriedade num processo de monopolização. Agora, a recente expansão tem como característica principal a exigência de terras de boa qualidade, pois sua lógica está voltada, como em qualquer lugar do planeta, para o retorno rápido do capital, com um mínimo de riscos (FUSER, 2007).
[3] A respeito dessa problemática que envolve as contradições da produção de etanol no Brasil ver reportagem especial,
Dossiê do Etanol, da
Revista Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente, Ano XVI, Nº 43 – Jul/Set de 2007.
[4] O caso que mais chama a atenção é a ameaça que sofre o Pantanal e as áreas de Cerrado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Nestas regiões onde se localiza a maior parte do Pantanal brasileiro já existem 14 usinas de açúcar e álcool, segundo os dados da ONG WWF-Brasil (Análise da expansão do complexo agroindustrial canavieiro no Brasil) – Disponível em:
(www.wwf.org.br). Há uma estimativa que nos próximos 10 anos, esse número suba para 28 usinas, gerando diversos problemas ambientais. A grande preocupação, entre outras, é que, além da dificuldade dos órgãos estatais fiscalizarem o setor – caso a expansão ocorra de maneira abrupta, surge também a questão referente à interligação do bioma com outros de seu entorno. O Pantanal, longe de se constituir um sistema isolado, guarda uma forte relação de interdependência com os demais biomas que o cercam, e sua pujança vital, sua sobrevivência, depende da conservação dos demais biomas locais.
[5] Alguns estudos (HESS, 2009) demonstram que as queimadas de biomassa resultam na formação de substâncias potencialmente tóxicas, tais como monóxido de carbono, amônia e metano. Dentre as substâncias presentes nos materiais particulados finos liberados durante a queima de biomassa (vegetação), os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) são os mais danosos à saúde, apresentando atividades mutagênicas, carcinogênicas e como desregulamentares do sistema endócrino.
[6] Uma das razões levantadas por pesquisadores da área destaca que as mortes e doenças causadas pelo esgotamento físico dos trabalhadores canavieiros estão ligadas à lógica do ganho ou pagamento por produtividade, isto é, por tonelada cortada pelo trabalhador. A esse respeito ver importante texto sobre a questão de Francisco Alves (2006).